PASSADAS

Nas passadas é que ouço.
O vento é mais um ser.
Penso em inúmeras possibilidades do cotidiano.
Então não saio.
Aquelas passadas não são o que eu poderia imaginar.
Apenas mais alguma coisa que se mexe.
Aliás tudo se mexe nesse âmbito da inexistência. Minha inexistência ambígua.
Só com o tempo.
O tempo que não existe.
Só com a moradia aleatória.
O que mais penso?
Uma música só. Em prantos pela surdina.
vento que sopra é o mesmo que me engana pelos ouvidos.
Um só auditivo e pensativo.
A mente que viaja pelas circunferência inexata desse caixote que apelidamos de mundo. Um quê de quaisquer quês...

UM VULTO

Tudo aconteceu muito rápido...não me lembro bem...5 horas da manhã? Pode ser. Mas um horário previsível não é assim tão fácil de definir. A música é de timbre forte...parece um ritmo latino. Coisa do passado. Penso agora que vivo de coisas do passado. Uma sutileza qualquer. Vivo assim, rememorando tudo. As ânsias são sonoridades da alma. Do estilo jeitoso da morte de nos assombrar. Qualquer versão além disso é uma versão sem concisão. Sem preeminências supremas do ser. Meu jogo é um jogo de vida ou morte. Paro nesse reflexo. Penso novamente no que aconteceu. São dúvidas. São mais que simples dúvidas. Nesse tempo fiquei pasmado, em choque. O olhar era assim algo de extraordinária beleza. Uma sutileza no olhar. Um sorriso devastador. Hoje sou um vulto. Tudo é tão simples. Como não há mais jogos do depois, fico aqui no agora. Fico aqui simplesmente atônito perante tudo que me passou. Mente disfarçada. A música é tão simples, notas simples. Visual de um anteparo qualquer. Um querer que me arremete para longe. É qualquer mente. É a divagação eterna. Depois de tudo fiquei ainda, por um tempo, ali...recebo um cumprimento com a sobrancelha. Devolvo do mesmo jeito. Ouço mais músicas. Outros ritmos. Outras melodias. Outras transformações. Outras alterações...covardia da memória querer, desde sempre, lembrar tudo. Como se tudo fosse passível de memórias, de recordações. Pitoresco e insuficiente. Olho para um longe, um olhar de nuances positivas. Assim é tão nublado...hoje...ah, querer...ah, desejos...simulações de vida. Esse item aleatório, como as palavras, como um diafragma...dialética de profusão indubitável. Não, realmente não, não estava desacordado. Uma suavidade. Sua suave pele, sua suave boca, sua suave pele...Perdi-me...tudo é tão fascinante. Desde sempre quero, desde sempre...

Passadas...


Nas passadas é que ouço.
O vento é mais um ser. Penso em inúmeras possibilidades do cotidiano. Então não saio. Aquelas passadas não são o que eu poderia imaginar. Apenas mais alguma coisa que se mexe. Aliás tudo se mexe nesse âmbito da inexistência. Minha inexistência ambígua. Só com o tempo. O tempo que não existe. Só com a moradia aleatória. O que mais penso? Uma música só. Em prantos pela surdina.
O vento que sopra é o mesmo que me engana pelos ouvidos. Um só auditivo e pensativo.
A mente que viaja pelas circunferência inexata desse caixote que apelidamos de mundo.
Um quê de quaisquer quês...

SAUDADES


Saudades?


Um pouco.

Veio por isso?

Talvez.

Motivo exato talvez nem aja para nenhum acontecimento; mas fico feliz pela sua
vinda.

Vim por um impulso mais forte do que qualquer coisa que poderia me acometer. Num
segundo minhas pernas criaram vida própria e saíram andando exatamente nessa direção e aqui estou eu.

Realmente fico muito feliz que isso tenha acontecido; por mais que esse sentimento seja subjetivo creio que você também esteja sentido o mesmo que eu.

Sim.

Creio, também , que podemos ficar aqui sem trocar absolutamente nenhuma palavra, que mesmo assim, ficaríamos contentes, simplesmente – se podemos assim dizer – nos olhando.

Concordo. A relação está mais nos atos do que nas palavras. Por algum motivo, talvez alheio ao meu querer, não consigo ficar sem dize-las. Não que eu me sinta desconfortável com isso, mas as palavras tomam essa forma do meu pensamento e, como agora, digo tudo sem me atrelar aos devaneios. Porém, sou também gestos e emoções, assim como falo, observo, toco e como todos esses gestos o sentimento fica mais completo. Agora, nesse momento que estou aqui com você, te olho, sinto seu cheiro, toco em você e com isso, também, sinto-me feliz.

Te entendo . Também tocando em você, te olhando, parece-me que é um complemento da palavra, ou algo que tenhamos que fazer; sinto essa vontade, como se fosse um desejo sem desejo, uma aparência magnifica da extensão da fala...da minha fala. Isso é de um prazer para mim inexplicável.

Talvez eu entenda o que você sinta, por mais que isso seja muito subjetivo, como você mesmo disse, mas alguns sentimentos são parecidos, ainda mais quando estamos abertos à esses sentimentos, acho que é isso que causa essa sensação de prazer...

Quero que você fique aqui comigo, sem criar expectativas, sem pensarmos no amanhã; sem nos cobrarmos nada...absolutamente nada.

Gostaria que isso fosse possível, mas não tenho tanta certeza assim de coisa alguma, muito menos o estar aqui. Como disse vim por um impulso e deixarei esse impulso me dizer o que fazer.

Então fique, seja feliz nesse momento, o mais é nada...é um rio que corre sem pensar...

Sou um ato impensável hoje. Sua companhia me faz sentir emoções que resplandece em todo o meu corpo. Só de pensar em como ficávamos...

Não pense, sinta isso agora, sinta somente o agora...

Sei disso, mas a memória...

Pequenos atos, quase como se anda na estribeira: perdendo-se de tudo.

Queria ter essa vocação para dizer tudo, mas agora, aqui, não digo nada. Atrapalho-me nas palavras e não sei nada.

Não diga então. Dizer o que se pensa é irrestrito demais. Vejo você aqui e isso já me é agradável.

No dia em que esperava
as árvores me espiavam


O passarinho carrega um galho de qualquer árvore


As mesmas



Esse é o esplendor


É isso que é o viver



Mas eu estou parado aqui esperando o trem


Aproveito então essa oportunidade



Vejo ao redor



Penso nos poemas que mandarei para minha amiga



Penso nela


A controvérsia de um abismo profundo


Imagética renúncia


Tomara que Ginsberg entenda a memória


Entendo os pormenores de algumas situações


Mas a crítica sempre acompanha quase tudo da mente

Esse divaga:

Uma busca tão suave que nem me dou conta e já me refaço


Da tão perturbadora ausência...


Quase sempre a controvérsia


Quase como uma sinopse de tudo


A vida pode ser isso:


Um pássaro carregando um galho.

O ser que sonha longe

No auge do sonho repara

Que o sonho é um outro sonhar

No contemplar do sonhar
Há aquele sonho

O mesmo que se foi

E outro logo vem

Um divagar constante

A mente irreparada

Translúcida na caminhada flutuante

O sonhar flutuante

Em escala invisível

Que tire a incerteza

Constante

Que salve a lucidez

Mesquinha lucidez

Atormenta a realidade

Com o sonho sonhador

Alma purificada pelo ardor
Do sonho sonhador...

Quando a vida requer

Crê na desesperança


Sinta o ardor


Descrer é viver o absoluto


Nada que é esperado


Tudo é aguardado


Cada paixão deve


Ser arrebatadora
Como viver


Como sofrer


Sorrir...


Natural é fazer o mínimo


E não aguardar o amanhã...

me sinto enfraquecido

como diz aquela música:

"vou ser coroado rei de mim mesmo"...

no final dá tudo na mesma

ah! todos esses pensamentos

e eu querendo ser perfeito

sou risível,

mas sou honesto com minhas emoções

essa adaptação recôndita

lágrimas...lágrimas...

lágrimas...

sou só lágrimas

sou só cacos jogados

sou só amontoados de restos

não faço da minha vida

nada

absolutamente inerte

morrer...quem sabe?

deixo as coisas assim

posso rever meus atos

quero ser irreversível

mas tal comprometimento me é dúbio...

A minha salutar dissonância


Quando minha cabeça me perturba

E meu coração fica sem respostas

É como que tudo se voltasse contra mim

Nesse momento fico paralisado

Fingindo sorrir.

Levando a vida normal

Mas sou outro diante

De mim mesmo.

Sou essa chave quebrada

Que não se encaixa em nenhum lugar.

A minha salutar dissonância,

Nesse momento,

Não condiz com a

Minha aptidão para

Negligenciar o tempo

à beira do lago

Sento-me à beira do lago

E sou o bailar dos pássaros

Satisfaço-me com esse bailar.

Ontem chorei

Como quase tudo da imaginação:

Divago.

Penso, olhando pro lago,

Que poderia reter a imensidão...

O olhar transforma tudo.

Essas gotículas que caem

Não são imaginárias.

O bailado arredio dessas

Vidas que temos,

Essas explicações não dizem nada,
Porém,

Esse lago me observa

E, de qualquer forma,

Não me contradiz.

Estou sentado nessa inexatidão

Subjetiva.

Cambaleio o olhar e

Tenho outras formas;

O infinito da matéria.

Alheio, permaneço e tento me esquecer.

Esqueço formas e conteúdos,

Pairo como um vento

Doido,

Repousando num canto qualquer

À espreita,

Pronto para lançar-se com toda força.

Vem, vem, sopra-me a face e

Faça esse bailado mais fragmentado.

Meu pensamento é um caderno onde anoto

Esses atos que não entendo.

Mas o vento, que repousava,

Agora inunda e escorre pelo meu rosto

Juntamente com minhas lágrimas.

O lago me observa, me conforta, me diz...

A revoada é sonora:

Ouvir com os olhos.

Garça branca pairando sobre as águas,

Lágrimas de inexatidão,

Pensamentos de ontem

E tudo mais que não resolvo.

Por mim ficava inerte

Só observando e sendo

Acalentado pela brisa.

Sentir a fluidez das águas

Com os pensamentos

Que em mim são emoções.

À beira desse lago, vivo,

Minha natureza,

Volto a estar criança:

Leve, arredio...

O tempo é aqui,

Um aliado.

DIVAGAÇÕES FLUTUANTES

Como?
Não ouço a voz no meio daqueles ruídos todos.
Mas ela continua...
Blasfêmia!
Como?, pergunto novamente.
Eis-me sóbrio. A voz já não é audível. Refaço-me da interrogação e viro-me para o outro lado.
O batente da porta fica bem atrás do meu ombro esquerdo.
Fico com os olhos parados, olhando fixamente para uma parede branca. Há, bem acima da minha visão, um quadro afixado, vejo umas letras mas não consigo ler o que está escrito, parecem mais borrões. Viro-me e vejo um Matisse que está do outro lado: Ícaro.
As vozes que vêm de dentro da casa são irreconhecíveis, lembram grunhidos. Bem na minha frente há um corredor, estreito, porém longo, com estantes de aço encostadas e nessas estantes há vários papeis dobrados, livros, fotografias de atores e músicos. Não reparo muito nessas coisas quando termino de passar pelo corredor.
Sinto uma mão no meu ombro. Viro-me e vejo uma mulher de meia idade, olhos decorados com algum desses cosméticos.
Apesar da super concentração de tinta nos olhos isso não a deixa feia; quando percebe que olho fixamente seus olhos ela fica sem graça e me diz algo, mas também suas palavras são algo totalmente ininteligível. Digo um oi sem muito entusiasmo. Sua boca está se mexendo como se estivesse falando, mas não consigo ouvir nada e isso me deixa um pouco atônito. Faço uma menção de sair daquele lugar, mas sua mão segura meu braço. Não tento nenhuma reação e ela, ainda com a mão segurando meu braço, me leva para o outro lado da casa.
Já dentro de uma espécie de ante-sala, nos sentamos num sofá. Ela murmura mais coisas. Também dessa vez não entendo nada; não falo nada, apenas observo o ambiente. Na porta que fica bem em frente ao sofá há algo colado, levanto e vou até lá, está escrito em uma língua que não conheço, mas por algum motivo eu consigo ler. Isso me deixa mais perplexo ainda, tento disfarçar com um meio sorriso. Quando me viro em direção ao sofá, a mulher que estava comigo até aquele instante desaparecerá. Olho em volta, nada. A porta e as paredes começam a ficar transparente e todas as cores derretem como se estivessem sendo aquecida.
Minha cabeça dói muito e não entendo mais nada, apenas fico ali, parado, olhando para o vazio que agora está a casa.
Quando tento andar, a mão, a mesma mão, me segura, mas dessa vez o rosto não é o mesmo, apenas a mão. Ela me sorri, como se já me conhecesse, porém não sorrio. Ela me puxa para dentro de um salão assombrando, que surge como e começa a falar numa língua parecida com o espanhol; mas não é espanhol. Seu rosto agora voltou a ser o mesmo de antes. Fico transtornado e isso, de certa forma, a incomoda. A música eletrônica bate como um martelo na minha cabeça. Não sei mais de nada. Tento lhe perguntar onde estamos, mas não tenho voz.. meu corpo se mexe ao som da música...nunca ouvi essa música antes. As luzes são fortíssimas e me ofuscam os olhos, mas o rosto da mulher se alterna de quando em quando. Como um configuração assombrada, seu rosto transmuda sempre. A luz bate nas suas faces e logo ela é outra. Tento sair dali, mas não posso; minha vontade não é suficiente para tanto. Ela me agarra e me envolve nos seus braços. Sussurra no meu ouvido que agora nós vamos voar. Não acredito muito e solto uma gargalhada muda. Só me dou conta que não estou mais no chão quando não sinto meus pés tocando nada. A sensação é de medo, mas também de contentamento. Uma fluidez entorpecente inigualável. Não sinto com a visão, mas com todo meu corpo. Todas as sensações de bem estar me tomam por inteiro. Não sei mais quem sou e onde estou, apenas vôo, rompendo as barreiras da gravidade. Porém, quando dou por mim, estou sozinho, a mulher se foi. Meu desespero é igual ao meu prazer. Estanco tudo e meu corpo solavanqueia. A descida é sempre mais fácil.

ATOS E PASSAGENS

Tantas coisas que passaram pela minha vida.
Tantos atos:
mudanças...
Tantas coisas que passaram pela minha visão.
Os atos -
minha memória -
intransigente.
Tanta paisagem ausente;
as primazias do
tempo presente.
O olhar como um solavanco da mente.
Minha configuração imaginária.
Dentro das chances
que não obtive.
Meu ser abstrato,
tremo com um esmago
incompreensível ao coração;
essencial, como escrever
sem pensar em nada.
As ausências da minha primavera.
As contingências do meu ser.
Hoje sou um mundo;
acima do meu querer;
acima do meu entender
contudo, minha personalidade
requer certo trato.
Trato com a dor
assim como trato com a alegria.
Sou alegre da maneira de ser.
Sou triste da maneira de não querer.
Sou exagero de verdade.
Porque tudo tem os nomes,
e os nomes são invenções.
Minhas lembranças são os nomes
que dou à elas:
minhas invenções.
Invento tudo e
tudo me inventa.
Cada partícula dessa mente invencionista,
cada disparo de pensamento
é algo de supra capacidade transformatória
dentro de mim.
Sou um hoje,
ausente das primícias familiar.
Como se tudo isso fosse um ato irrestrito,
imaterial, nevoento...
Quaisquer capricho meu,
hoje,
seria um capricho demente.
Sou demente que não busca -
não buscar não é não viver,
é, pelo contrário,
a vida digna,
transparente, alegre.
Sem magoas...
Conhecendo-me, porém,
vejo que não há chances de voltas;
não tardo, nem tampouco nostálgico.
Sentimentos não são nostalgia.
Tudo que é sentido, também é sonhado,
também é pensado.
Sinto com os pensamentos;
sinto com os pormenores
de uma canção.
Tenho frustrações,
Mas também tenho satisfações.
Sou vagabundo e preguiçoso,
confesso,
Isso é minha culpa.
Mas não há culpas
se pensarmos nas vias que a vida nos arremessa.
Fico sem defesas e lúcido;
fico sem palavras e
rouco.
Fico sem esperanças.
Porém, a rebeldia juvenil
não me abandonou
e todo esse crepúsculo
dissipa-se quando abro os olhos
para uma corrente de costumes inebriantes.
Porém, minha parte negra
toca-me profundamente;
com ela prossigo no
maremoto e sinto-me
como uma criança descobrindo
novas brincadeiras.













quando eu me distraí
extra-ido
quando solicitei a benção
já não fui outro
outro ontem
quando não fui eu
somente eu
andei...
percorri meu ínterim
quando fui ontem
outro distraído
outro fantasiado
quando fui eu
não fui outro
porém...


quando chega o ardor da
desesperança
digo adeus
quando chega o ardor da
noite
digo olá
carrego a utopia
como quem carrega
uma criança
embalada
meus sonhos
quando chega o ardor
do cotidiano
rompo
como quem saí da esperança
rompo
como quem entra na despedida
o ardor do amor
quando chega o ardor
do encorajamento
como quem...
quixotesco
luta em solução contínua
busco o encorajamento
paz é a desigualdade
do ser humano através...
expectativa
jamais assumida
jamais assentida
consumida
quando chega o ardor da
esperança
caminho os há
porém não agora
caminho os há
entretanto
somente já.





Qual a qualidade de vida que você deseja?
Morar?
O que significa isso?
Mostro minha casa para vocês...
e faço disso minha ambição para renovar
constantemente.
Saio fora de São Paulo
Imediatamente;
Sou nômade e sei
disso.
O meu primórdio
primitivo(?)
Minha melhor forma de
viver...
sem acúmulos,
não acumulo e
não preciso de nada.
Quanto menos melhor,
a viagem será mais fácil.
Acúmulos só de amigos.
Digo isso para mim mesmo
numa espécie de transe.
Subjetivismo...
Correr:
Sempre corri.
Não como um atleta,
mas num sentido
de ação. As pernas em ação.
Movimento.
Minha mãe e meu pai
juntamente com meu avô
e minha avó
saíram do lugar de origem (?)
e vieram para São Paulo.
Quero sair de São Paulo,
fazer esse caminho inverso
como no filme Exílios,
em que um filho de Argelino,
residente em Paris
deixa essa tão
amada e hipócrita cidade
para retomar e retornar
às suas origens.
Em busca de lembranças.
Que filme magnifico. Lindo.
Quero retornar,
quero caminhar
pelo contrário.
Voltar; submeter minha
urbanidade a provas.
Vou me adaptar?
Talvez nem queira essa adaptação;
posso me locomover,
minhas pernas farão a locomoção.
Só isso que preciso: minhas pernas.
(esse sentido das pernas é metafórico,
pois posso perde-las e continuar...)
Me sinto bem nesse instante;
Pois bem, ingressa-rei
nessa atmosfera e farei
da minha vida o que eu
desejar fazer.
Isso será (é) minha liberdade.

O conhecimento antecipado de coisa nenhuma que serei

O céu azul revelava toda a intensidade louca que a atmosfera persistente teimava em subjugar em nós, anônimos, a fragilidade marcante. Muito otimista prossigo com os olhos anuviados pela fumaça. Faço um giro de 45 graus e sucumbo pela rota que jamais pudesse ter imaginado. Ah, essa pobreza pueril; fragmentos da súbita lembrança de infância: quão pobres fomos. Carrego, sem querer, lembranças juvenis. Meu peito retraí num suspiro comovente.
Aquilo tudo que meus olhos não vêem, sinto de outra maneira. O aterrorizante é saber é saber que nunca isso mudará. A paisagem da alma é a pobre sintonia do corpo. Os pés de outro parecem que circulam por aqui. Então me deixo conduzir por essas estradas sinuosas e não quero transparecer lúcido.
As casas que ficam na solidão do mundo...por um momento eu penso em atingir o embrião dessa neurose; tarde demais para os sentimentos. Aguço a aurora com a visão coberta por fuligem. O calor intensifica a condição humana que breve me abandonará.
Não há vegetação nessas terras. Não há um mínimo de vegetação rasteira e agora são meus pés, doentios pés, que circulam nessa desordem. Também pudera perder-me aqui, são círculos e semicírculos abrangentes. Formados por opacos monturos de resíduos quaisquer.
Persistente, a figura solitária do homem que sou, alcança a mais tensa das visões: paralelepípedos isolados e rompidos como se uma força descomunal os tivesse atingidos. Mas já não sei o que é mais verdade. Meus olhos me enganam.
Sinto a descarga elétrica da mente, subjacente, atravessando o caminho...há aberturas fugazes...
Não tenho mais saudades. Nada lembro. A tortura física da não lembrança. Foi isso que vi daquela vez. A forma transfigura sempre.
Confuso, vou soletrando para mim mesmo as letras de qualquer alfabeto. Como se não houvesse um elo me unindo amais nada.
Mas as correntes civilizatórias ainda me marcam fortemente.
Faço uma auto-análise, reflito nas alternativas que tenho daqui por diante.
Quase sou livre.
O cérebro alterna essas consoantes, quase autoritárias, que inundam a visão, subjetiva, por um tempo,
relapsa por outro.
O tempo que demoro para circular é o mesmo tempo que levaria para viver e morrer. As difusões da nuance da memória.
Eterno divagar da persistência humana.
A teimosia em destruir, arruinar destroçar...
O incorrigível ato de querer.
Entediante ato de procurar por razões desconexas com nós mesmos.
Nossa existência nada mais é do que a fugacidade de um sopro.
Não querer ser nada.
Não desejar nada segundo a visão budista.
Mas mantendo a tradição homérica. Cultuar as coisas que não sabemos: transgressão.
Nesse instante o soar da viola; o chá está sendo preparado: as folhas: doce erva. Erva-doces. Capim santo. Erva cidreira. Cheiro doce. Esplendor da alegria.
A música: Saudade da Minha Terra. Uma reviravolta de utopia. Sou favorável a paixões, porém nem tanto. Pondero!
Nostalgia Utópica, que saudades da minha terra, que nem sei qual é.
Num intervalo de segundos.
Engraçado que minha vida tenha se perdido;
Porém, é ou está sendo de extrema importância esses acontecimentos. Não creio em destino, são as nossas escolhas.
Tudo é escolha; de uma forma ou de outra, mesmo inconscientemente estamos escolhendo.
Mas as escolhas não são segmentadas, elas são múltiplas,
temos várias alternativas, várias tentativas,
tentar é apenas jogar uma vez: a primeira tentativa.
Tente a segunda, a terceira ou quantas vezes tiver vontade.
Nunca pare de tentar, mesmo estando num estado de vida considerado
bom. Não pare. Não pare nunca.
Há outros modos de vida (não vida!).
Agora mesmo há outras pessoas vivendo diferente.
Então não há nada a perder, nada se perde, não é mesmo?
Transformação é a essência que faz o viver!

partida


Contemplo a algazarra da vida
Contente por sentir os prazeres
Reluzente e recrudescente
Lanço o laçarote pela fresta
Única,
Não aos pensamentos
Único
Me faço soberbo
Parto
Contemplo a vida
Parto
E contemplo as reluzentes
Algazarras
Parto.
Confusões impertinentes na minha memória
Tudo solto a espera
De uma aparente ordem
Que nunca chegará
As visões que
A mente toma
Determina
A incandescência desta memória
A antagonia dessa vida...
Paro e penso
Nas possibilidades
Que tenho.
Sou tão inúmero
Que me detenho
Na placidez
Da inexatidão.

SIDEWAYS (entre umas e outras)

SIDEWAYS (entre umas e outras)
Confesso que num primeiro momento o subtítulo do filme não me atraiu muito. Esse "entre umas e outras..." Mas como sempre acontece a gente acaba lendo a crítica e fazendo umas análises e tudo mais...confesso que, mesmo achando que toda crítica é subjetiva, ainda assim não me animou muito ir ao cinema ver o filme; só que depois alguém, não me lembro quem, me falou sobre o filme, dizendo que era isso e aquilo. Tá bom, darei uma chance, até porque no elenco tem um ator que gosto e por ele irei ver o filme.
Tá, confesso, o filme é bom; é bem fotografado. Esses filmes chamados "roadie movies" são muitos bons (alguns né), gosto deles. Dá uma sensação de liberdade, a gente viaja junto com o filme.
O tema, o roteiro e narrativa do filme são bons, bem construídos. A angústia de um homem, Paul Giamatti – bom ator – não se contenta que foi abandonado pela mulher – sempre fragilidade do homem – resolve viajar com seu amigo garanhão pelas vinícolas da Califórnia. Por lá eles conhecem duas mulheres, pequeno detalhe: o amigo está noivo, prestes a se casar, é a perdição pro cara. Depois de vários goles, já que nosso amigo é apaixonado por vinhos, mas também um alcoólatra (talvez daí o subtítulo do filme). O filme tem cenas engraçadas e outras de total angústia. Gostei.

Contemplo a algazarra da vida
Contente por sentir os prazeres
Reluzente e recrudescente
Lanço o laçarote pela fresta
Única,
Não aos pensamentos
Única
Me faço soberbo
Parto
Contemplo a vida
Parto
E contemplo as reluzentes
Algazarras
Parto.
quando eu me distraí
extra-ido
quando solicitei a benção
já não fui outro
outro ontem
quando não fui eu
somente eu
andei...
percorri meu ínterim
quando fui ontem
outro distraído
outro fantasiado
quando fui eu
não fui outro
porém...


O popular:
uma andorinha só não faz verão.
Conceito de pluralidade que
já não é de hoje.
Dominadores dominam unidos
dominados choram unidos.
A consciência do esperar
ações frutívoras do até quando
Comprometedor até quando?
Por um simples fato não resolvido;
Revolta e revolto por aí
num caminho rompido
prometedor da falsa euforia
um fato...
ato falho da ignorância maior
comparsas da desgraça
visão mais apurada?
Sei muito bem das qualidades
que não se esclarecem jamais.
Sei muito bem...
O caso da conquista:
Um grande favor
A mercê de opiniões.
Não emito conceitos
vida e morte no sofrimento
comensurável pelo ato.
Desacato aos pudores cívicos
Insubordinação aos meios...

A VIDA DOS OUTROS

Toda vez era assim. Não sentia muito a perturbação dos outros, apenas não admirava nada. Iconoclasta para alguns, arrogante e pedante para outros. Mas sua vida continuava, com ou sem a participação alheia. Lógico que tinha plena consciência do viver em sociedade. Procurava respeitar as diferenças, na medida do possível, óbvio.
Certo dia, ao discutir com sua namorada, percebeu que era cheio de falhas, um ser-humano comum. Isso o arrasou, deixou-o perplexo, até então não conseguia perceber muita coisa. Tinha consciência de suas falhas, sabia que não era nem um ser exemplar. Mas as palavras daquela garota tinham lhe causado tanta dor. Chorou muito. Ficou num estado de choque por um certo tempo, apenas avaliando tudo que lhe foi dito.
Mas como tudo passa – aqui a fugacidade da vida dando um show – logo estava revivido.
Depois de um certo tempo, numa dessas avaliações ele percebeu que tinha outras diferenças com essa garota e isso era bom para o relacionamento deles.
A vida continuava. Sua vida continuava. Percebeu que os outros eram pessoas vazias, por isso não se aproximava muito delas. Também fez e cultivou belas e sinceras amizades com pessoas que ele considerava que eram apropriadas. Isso não o revoltava, apenas era seletivo nas suas trocas com outros seres.
Desprezo pelo fútil - tudo que ele achava que fosse fútil. Desprezo pela humanidade com suas intolerâncias afrontando as questões mais ambíguas. Ele também intolerante com as diferenças. Isso é troca, é a chave. De certa forma não conseguia se ver no outro. O respeito necessário para a compreensão das mais sutis diferenças. Paranóia? Nem tanto.
Tudo bem. Sua vida prosseguia, suas atividades lhe rendiam prazer, dinheiro não, prazer, esse item necessário para continuar nessa vida, que, de vez em quando, nem vale a pena.

A questão é fragmentada...

Durante um certo tempo de minha passagem por esse planeta fui me enfiando por uns abismos sem destino ou que pelo menos eu assim determinei. De passagem por algo irreal deparava-me com acontecimentos supostos ou de origem (na minha monotonia rudimentar) sinistras. Fui sendo acarretado por dogmas improváveis que faziam de mim apenas nada. Era nada que tinha entre mim e os restos. Considerando que tinha sido letrado pela educação monoteísta de uma época tão sedimentada pela base estrutural mais simplória e que a cada período se distribuía algo sempiterno. Mas não era bem assim como vocês pensam. Agouros também ruíam de dentro da mais assombrada vertente dum modelo de mecanismo sempre enferrujado e sempre postulante.
Eu nem sequer imaginava esta estadia. Suborbicular era como minha mente trabalhava a questão da vazão e do medo. Através dos olhos (baixos) tinha a minha realidade remodelada pela essência do medo, a mesma essência castradora que suponhamos ter terminado.
Todavia não abaixei minha cabeça e tampouco me reduzi nesse ímpeto que é tão meu e às vezes nem me é normal. Só e cada vez mais só segui por essa trilha do desconhecido em busca de outros paralelos rudes, como eu, como todos.
Esses risos me são conhecidos. Todos caçoam de todos e seguimos a fomentação da realeza que não é popular e nunca foi. Não quero mais estar à margem, prefiro morrer.
Morri.
A certa altura persisto
Insisto e
Inexisto.
A coexistência me faz lembrar dessa menina
Mestiça
A existência acompanhada:
Magnifica
Acordo bem cedo e
Sinto-me como um animal:
Solto: traspassando a cerca
Da mediocridade
Acordo feliz e
Rego minhas plantas:
Deslizes
Solto.
Sou prolixo na vida...
Assim vai a minha existência
Trilhando o agora:
Momento presente

Contragosto


Oi. Por favor, posso usar o banheiro? Perguntei para uma senhora gorda que estava atrás de um balcão de madeira corroída. A cara que a mulher fez para mim foi de assombro, como se perguntando: o que esse maltrapilho está fazendo aqui no meu bar, como ele se atreve a pedir para usar o meu banheiro?, fiquei fitando seus olhos enquanto aguardava a permissão para usar o banheiro daquela ordinária. Vai fazer o que no banheiro?, me perguntou. Olha senhora, estou apertado, respondi meio a contragosto diante daquele pequeno interrogatório que ia se formando. Tá bom, usa e não esquece de puxar a descarga. Andei até o local e entrei num pequeno espaço, procurei o interruptor da luz, não encontrei. O cheiro que exalava do local era terrível, a náusea em mim era tamanha; também pelo fato daquela senhora, proprietária do banheiro, ter me olhado daquela forma, parecia que eu iria mata-la. Realmente deveria ter feito isso. Urinei naquele vaso fedido e saí do cubículo escuro. Puxar a descarga!, tava brincando né?, só poderia estar, como alguém iria colocar a mão naquela porcaria de descarga... Na outra extremidade do balcão estava a senhora, como se estivesse me esperando sair do banheiro. Quando fui agradecer pelo uso da podridão do banheiro, ela num ato insano começou a me xingar. Parei na porta encostada a meio fio e fiquei observando aquele velha louca gritando todos os palavrões do mundo para mim. Mandei ela se fuder e tomar no cu um milhão de vezes. Quando ia me afastando da porta um sujeito com pinta de cafetão atravessou na minha frente e num segundo me deu um soco, realmente não esperava por aquilo, caí no chão, mais de susto do que propriamente o soco, me ergui mais rápido ainda e tentei atravessar a porta barrada por aquele brucutu dos infernos. Olhei em volta e não achei nada que pudesse me defender, nem um pedaço de ferro ou madeira. Fila da puta, pensei, e essa agora. A mulher só gritava, cata ele, pega esse viado...velha do caralho. O maguila veio pra cima de mim com tudo, me desviei de um soco, de um pontapé, esquivei-me de outro soco e consegui sair daquele bar que mais parecia um ringue. Do lado de fora pude perceber que outros caras se juntavam ali na porta, não perdi tempo, voei para o outro lado da rua e segui por uma viela. Por causa de um pedido estúpido para usar o banheiro quase morro. O pensamento na merda toda e aqueles semblantes das pessoas que circulavam pela rua me olhando como se eu fosse um alienígena. Senti algo escorrer pela minha cara, era meu sangue, meu nariz estava sangrando, talvez por isso os olhares. Caminhei por outra rua e entrei numa padaria. Mais uma vez o mesmo olhar de reprovação, tipo o que você tá fazendo aqui seu merda?, pedi para usar o banheiro, o atendente, se fazendo de surdo, fingiu não me perceber, tudo bem, olhei em volta e avistei uma placa indicando o banheiro, passei por um vão entre as cadeiras e uma parede e me enfiei dentro do banheiro. Lavei o rosto, esse banheiro pelo menos é mais limpo, pensei. Na saída outros olhares para mim. Que porra. Não me acanhei diante desses olhares, agradeci o balconista, mesmo ele tendo fingindo não me ver, e ganhei a rua. Mas um pouco antes um grupo de pessoas que tomavam café no balcão comentaram entre si, lá o vai o negão imundo, acho que eles pretendiam falar baixo, mas não tão assim pois quando meus pés tocaram o lado de fora da padaria eu ouvi o pequeno comentário. Virei-me bruscamente para onde eles estavam e fiz um gesto com o dedo. Aí a algazarra foi maior ainda, o que antes não era para mim ter ouvido, agora eles gritavam; comecei a xinga-los também. Um deles caminhou em minha direção e parou mais ou menos perto, não me alterei, fiquei parado esperando o fila da puta, vamos ver até onde ele vem, ficou parado me medindo, perguntei se nunca tinha visto, ele falou que feio assim não. Permaneci parado com olhar fixo nele, mas percebi que outro cara também caminhava em nossas direção, então virei-me e saí andando, na verdade andando bem rápido, quase correndo. Nesse momento os gritos foram mais fortes: corre vagabundo, dorme-sujo. Fui embora, talvez longe dos olhos daquelas pessoas, que de alguma forma se incomodavam com a minha atual situação, algo em mim molestava àquelas pessoas, algo em mim que elas não queriam reconhecer...

dinâmica profunda

Tempos idos eu já tinha chorado, mas hoje não. Ainda me lembro que eu comia feijão com farinha com as mãos e era a coisa mais deliciosa que alguém poderia comer na vida. Minha avó sempre fazia essa comida. Sentávamos na beira da porta com as panelas no colo e nos deliciávamos. A qualquer momento essa lembrança me vem à cabeça, a mente divaga num sentido bom, não há nostalgia barata, daquelas que te magoa, não, isso não. São lembranças boas. Mas o tempo é incontínuo...será?
Tudo bem para você seu eu me levantar agora?, era a voz dela me perguntando, não respondo, então ela se levanta. Continuo ali pensando naquele saboroso feijão que minha avó preparava com amor e carinho. Às vezes era nosso único alimento, mas isso não tinha problema nenhum, pois a gente se alimentava de outras coisas. Uma dinâmica profunda de atenção e respeito. Satisfação completa para uma criança. Continuo deitado e olhando para o infinito; em minha vastidão o som é algo que me toma a vida. Os barulhos e os sonidos são exuberantes. Permaneço imóvel, os olhos procuram algo que não sei se quero encontrar.
Acho que hoje é domingo, pois o relógio não tocou. Penso em levantar mas o corpo não reage ao estímulo do cérebro. Permaneço com os olhos abertos tentando rever o que eu precisava fazer hoje. O barulho que vem da cozinha altera meu estado. As pupilas se dilatam mais e com isso o pensamento toma outra direção. A mente volta. O retorno à vida, a condição mais digna que chamamos de viver. Como fazemos para viver dignamente?
O sol começa a romper as frestas da janela e alguns filetes de raio já marcam a parede. São formas bonitas de luz. Realmente hoje é Domingo. Minha aurora não se fez. A vida não me revelou muita coisa. Sair e passear é uma boa idéia.

Quebrante



Um destes quebrantes era mais que plausível para mim naquela hora inimaginável.
Carlos. Meu nome é proferido em tom de voz grave.
Carlos. Novamente chamam por meu nome, só que agora é uma voz mais aguda.
Dói o ouvido de tão aguda que é a voz.
Carlos. Mais uma vez a mesma voz aguda. Então depois de um tempo, respondo: que é.
Nada não, só para ver se você está vivo mesmo.
Estando eu vivo, permaneço imóvel na mesma posição em que me encontro. Olho para cima e vejo uma aranha fazendo uma teia. É muito fina, quase imperceptível, mas o alcance da minha visão me surpreende. Consigo detalhar cada linha da teia. Fico arrepiado em pensar que aquele animal pode me matar em segundos.
Carlos, novamente a voz pronuncia meu nome. Fico ouvindo. Cuidado com a queda, me diz a voz.
A palavra queda me diz muito. A queda de todos os impérios ao ínfimo detalhe. Falo isso não por um simples retardo da memória e a vaga lembrança alvoroçada por confusões, mas por outro motivo qualquer. Quero sair daqui, grito para as paredes e elas respondem que se eu sair dali agora nunca mais serei o mesmo. A mente busca algo de conforto. Detalhes marcantes de uma vida que na mediocridade da instância coletiva se perde; a voz que se cala, a promiscuidade absoluta das relações. Falsidades humanas.
Não estava incólume de nada. Apenas as palavras brotavam como água em mina. Apenas isso. O tempero certo para a lembrança imprópria.

Lendo Piva
E cagando para um
Mundo que não passa
De uma grande merda mesmo
Submerso no mau pensamento
Profundo:
Meu cagar e meus pensamentos
Crústio
Ah!
Essa buceta na minha cara
Gozo com a devoção de um alpinista
Escalo suas coxas
Percurso satisfatório
De pé de soterrando...
Sua pele
Puxo teus cabelos crespos
Meu pau é teu
A música
Complementando
Os espaços:
Latino:
Salsa
Rasga a caverna
Son
Rasga a mediocridade
Estou num forno
Sob o cadafalso
Mas não te ferirei
Alvoroço da minha vida
Destroços escondidos
No mais intrigante
Sonho
Com você.



DESTITUIÇÃO

Demais!
Essa palavra o atravessou tão profundamente que a surpresa fora inevitável naquele instante. Heitor, naquela manhã tinha saído - como de costume - para o serviço, às 8. Nas ruas algumas pessoas iam e viam no mesmo ritmo frenético de sempre, alguns olhares, alguns bom dia, alguns esbarrões...assim continuava tudo na mais perfeita ordem.
Nada extraordinário acontecimento de um dia pro outro, as casas continuavam no mesmo lugar, os comércios abririam as portas no mesmo horário de sempre; Heitor reparava que essas vidas mantinham uma rotina, até certo ponto amigável.
A sua caminhada até o serviço era, também, uma rotina, o mesmo caminho quase sempre. Nessa hora matinal suas ilusões eram quase zero.
Mas aquela palavra o tinha deixando desconcertado, pensava nisso o tempo todo – da sua casa até seu serviço. Nunca uma frase, ou, nesse caso, apenas uma palavra, o tinha marcado tanto, ficava martelando sempre, pensando naquilo. Por que demais? O que de concreto havia numa simples palavra?
Heitor não se contentava com essa palavra: ‘DEMAIS", demais o que? A vida?, a situação do dia-a-dia?, o jogo do dia anterior? Só perguntas na cabeça de Heitor, perguntas sem repostas ou, pra ser menos pessimista, nenhuma noção de resposta; algo peculiar para um ser humano. Heitor não vislumbrava mais nada, apenas caminhando com a cabeça naquilo que outrora ouvira de não se sabe quem, uma palavra marcando o compasso de uma caminhada de sua casa até ser serviço.
Mas ao chegar no seu serviço, a mesma rotina também aqui está exposta. Heitor contrapondo aquela situação, não chega a entrar em seu local de trabalho, faz uma coisa até então impensável para ele: um sujeito pacato, cheio de regras para viver, que até aquele momento nunca tinha violado normas do trabalho; Heitor volta pelo mesmo lugar que veio, volta seguindo a mesma ordem, tentando repetir os mesmos passos. Os pensamentos sempre voltados para aquela palavra que nesse momento já era amaldiçoada por Heitor.
Quase a mesma situação, algumas caras diferentes esbarram em Heitor, pessoas que estão indo ao trabalho, ou as compras ou outra qualquer coisa, mas são pessoas silenciosas, quase apagadas. Heitor procura, nessa transição de volta - como num realismo conto Borgiano, resgatar as memórias que tentaram se sobrepor às enfadonhas pistas com carros.
Missão ultra-inoportuna para Heitor que já esmagado, numa sensação de acabado revê seus passos ao inverso, numa imensidão caótica a procura de algo que se perdeu nas dimensões das ruas. Quando se dá por si, já é tarde, percebe a ingratidão da permanência de sobreviver, sua teoria resvala a qualquer inutilidade e olha mais uma vez para tudo, isso se dá num momento tão íntimo que ninguém o percebe. Heitor está só.

Quando senti o vento...


Quando senti o vento atravessar meu corpo fui outro
com certeza,
das mais absolutas e
incertas certezas.
Sem contrariar meu instinto
fui ao encontro do vento.
Andando à toa...
pedalando à toa e sentindo a brisa no rosto.
Pararia o tempo.
Parei o tempo.
A ruela (o caminho, a trilha)
repleta de árvores.
Passava por entre elas e continuava a pedalar.
Sobre minha bicicleta,
(eu e ela somos um só).
O ínterim não existe.
O momento presente
(sendo meu momento)
a particularidade de cada movimento
e eu...
não existo nesse tempo,
transformo o ambiente
no meu próprio ser.
Sou o todo,
Cada partícula das células.
Observo e sou observado pelo todo.
Continuo a pedalar e paro...
movimentos impensados.
A luz da estrela
potencializando os arredores
por entre os galhos
sombreando a água.
Pequenos mamíferos saboreando
o entardecer.
Passeando por entre os bosques;
Thoreau...
Transformo-me em um ser alado
e parto.
No entendimento repleto
que a palavra possa parecer,
partir...
Alado e inanimado.
Tempo presente,
passado...
futuro.
Eis me sob a incansável
habilidade da transformação.

Os olhos. A trilha


Atravessei a rua e segui andando como se meus pés não tocassem o solo. O calor derretia meus pensamentos e sobrepujava todos os meus sonhos daquele instante. Nada mais era igual. O asfalto agora cobria tudo e o calor que emanava dele era algo surreal. As pessoas passavam por mim sem ao menos me enxergar; eu era um espectro. A visão encoberta pela carapuça irremediável da sordidez. O cotidiano roendo o que sobrou da esperança de um país denominado do futuro. Esse nunca chegará. Saio do meio do trânsito e procuro uma sombra para caminhar. Não há. Não há nada em que eu possa me esconder da mesquinhez humana. Ontem mesmo caí num abismo com minhas leituras. Só me restou a arte. Atrevo-me a pensar em ir ao cinema mais tarde. Num bar de esquina as pessoas bebem a esperança e a alegria num só gole. A morena rouba a cena. Todos os olhos são para ela. Também não é para menos. Suas roupas, ou a ausência dessas, são estratégicas. Saia curtíssima mostrando suas coxas saborosas e uma bunda arrebitada saltitante. Os olhos acompanham o ritmo frenético dos quadris da beldade. O sinônimo de crueldade é a esperança, não vivemos sem ambas. A mesma esperança derivada de esperar; sempre esperando que algo aconteça. Confesso para quem quiser ouvir: não espero nada. Nunca esperei. Sempre andei numa corda bamba. Num determinado momento estava na lama, no outro no paraíso. Sempre foi assim. A não linearidade absoluta da minha vida inexistente. A não solução para todos os meus problemas que eu mesmo arranjo e saio e assim continuo a trilha da desestruturação.

Perfeição de espasmo

Me diz muito além
do muito e do além,
ficar anunciado.
A própria essência da utilização da metalinguagem poética
Crer na fragmentação da liberdade humana
Esta dissocia-se da real estranheza da inteligência.
Desdobrar em várias as personalidades,
como num rompimento com outras especificidades;
a especialidade das emoções projetada em nós como
uma divisão subliminar.
Assim vou tentando escrever
minhas substâncias emocionais e
intelectuais,
as duas vão sendo transformadas
na medida do possível.

QUALQUER SITUAÇÃO NÃO DISPONÍVEL

“Todas as coisas estão cheias de deuses” - TALES DE MILETO

A cada momento somos irreparável e irremediavelmente atingidos – como num bombardeio – por situações vexantes e danosas para uma grande maioria; tal possessão atormentante nada mais é do que uma imagem surreal tal qual descreveu Krishnamurti em uma de suas palestras pelo mundo afora. No entanto buscar uma base para discorrer sobre hipóteses [sobre essas manifestações] são lugar-comum para o homem; num eterno retorno, seguimos nossa intuição como se fossemos uns meros devaneios singulares. A cada possibilidade filosófica, surge na nossa meta transtornos, harmonias, angústias, felicidades, sonhos...
Tão provável seria a transformação da existência via ridículas particularidades emocionais. Não, não seria muito atraente para a nossa mente, tão propensa a expansão. Na medida que vamos nos tornando aberrações - muito normal isso hoje em dia - não só desmaterializamos como mutações, mas também sofremos as propensas reclusão da harmonia. Nossa matéria nunca é igual, na medida que ficamos mais velhos mudanças tomam nosso “eu” como uma parte abstrata da mente. Nada permanece indiferente em nós, mesmo naquilo que pensamos não estar ligado. Esse estranhamento em relação ao mundo, algumas coisas não são mais o que eram - certas ou erradas – estamos explorando o desconhecido, o irreal, a metafísica...
Passamos mais de um terço de nossas vidas adormecidos, numa determinada realidade [questões subjetivas] – nossos sonhos (não) são reais, mas qual atrocidade nos devorará agora?

O CAMINHO DAS PEDRAS

Sempre que paramos, raciocinamos e nos perguntamos se algo do que estamos realizando realmente vale a pena ser realizado, surgi uma das dúvidas mais cruéis da humanidade. Mas como outras tantas situações da nossa vida, tal pergunta nem sempre é respondida, apenas idealizamos essa resposta e seguimos; por vezes até somos tentados a eliminar esse pensamento, porém a tentação de auto-questionamento nem sempre prevalece.Temos uma capacidade extraordinária para exercer nosso talento – em todos os sentidos – mas isso vai sendo podado em alguns de nós no decorrer de nossa existência. O entusiasmo e a criatividade são naturais de qualquer criança (sadia); isso implica num processo (natural) de graduação continua de alegria e contentamento. Nossa habilidade vai desvanecendo no momento que vamos nos tornando adulto e isso graças a pressões das famílias e, também, de uma sociedade (aqui incluso escolas e professores) sem conceitos e totalmente ignorantes dessa criatividade humana. O psicólogo e anarquista Roberto Freire faz uma avaliação bem polêmica a esse respeito, segundo ele, o amor que uma mãe [acha que] tem por seu filho é um dos piores amores possíveis, ele chama esse amor de amor autoritário. É um tipo de amor dominador, sem deixar brechas para o outro manifestar suas criatividades e necessidades. Concordo com ele. Sei que será difícil convencer uma mãe disso, mas essa mesma mãe, biológicamente, só está preparada para guardar a sobrevivência de seus rebanhos, isso é totalmente irracional. Nesse tempos ditos modernos, alguns conceitos estão sendo jogados por água a baixo; esse discussão torna-se subjetiva num determinado ponto de raciocínio. Para alguns a teoria da modernidade tende a tornar a vida mais completa, outros vêem nessa modernidade um aniquilamento total das premissas mais interessantes para o ser humano. Mas, por outro lado, o auto-conhecimento nos leva a um âmbito exclusivo. Tomamos essa clareza do inconsciente e distribuímos em ações conscientes (JUNG), dando força às nossas formações e tomamos decisões amplas. Esse auto-conhecimento nos leva a uma melhoria nas relações com o outro; nossas vidas melhoram e isso é prazível para a relação cooperativa dentro da sociedade.

Oblíquo

Algo de sensacional poderia estar(ou está?)
acontecendo agora mesmo num determinado ponto qualquer do universo! Ponto inicial de uma controvérsia inigualável de subjetividades. A questão do comportamento oblíquo do ser nos transporta para ínterins tão desgastantes, capazes de fazer com que um determinado assunto qualquer tome vias intermináveis e deságüe numa imensidão de palavras repetitivas sem sentido nenhum.
Gostaria de não poder contar com o senso comum de pessoas comuns; não que isso me seja interessante, tampouco sou uma pessoa direta com as palavras, para ser mais exato sou prolixo.
Mas quem já não se viu assim? A prolixidade é tão sublime, de repente nos vemos falando sobre certos assuntos que achávamos que não dominávamos e isso é tão bom nos sentimos capazes, quer dizer, somos capazes, mas no decorrer de nossas vidas somos bombardeados por tanto negativismo que ficamos amorfos a qualquer atitude.
O poeta Fernando Pessoa, um dos mas geniosos de todos os tempos, era, na minha modesta opinião, um grande prolixo, brincando sempre com as palavras, fazendo delas seu meio de expressão mais sagaz e ardil. Estou começando – peço desculpa pela demora – a entender esse poeta; seus heterônimos me fascinam, gostaria que todos tivessem acesso aos poemas filosóficos de Pessoa, a leitura desses textos criariam um ponto de interrogação tão grande, criaria um sentido mais amplo na simples vida que o ser-humano carrega pensando que é o dono das coisas.
Sentir a existência das pequenas coisas, das ambigüidades das vida.

inaptidão

Nessa sexta feira –
(que bem poderia ser outro dia) –
a mercê da inaptidão
contra a produção.
A mazela de um universoque também sou parteque parte de mim...
buscando e trilhando e caminhandosa
boto os afazeres e os torno
migalhas na paisagem descomunal da periferia.

minha passagem

Durante um certo tempo de minha passagem por esse planeta fui me enfiando por uns abismos sem destino ou que pelo menos eu assim determinei. De passagem por algo irreal deparava-me com acontecimentos supostos ou de origem (na minha monotonia rudimentar) sinistras. Fui sendo acarretado por dogmas improváveis que faziam de mim apenas nada. Era nada que tinha entre mim e os restos. Considerando que tinha sido letrado pela educação monoteísta de uma época tão sedimentada pela base estrutural mais simplória e que a cada período se distribuía algo sempiterno. Mas não era bem assim como vocês pensam. Agouros também ruíam de dentro da mais assombrada vertente dum modelo de mecanismo sempre enferrujado e sempre postulante.Eu nem sequer imaginava esta estadia. Suborbicular era como minha mente trabalhava a questão da vazão e do medo. Através dos olhos (baixos) tinha a minha realidade remodelada pela essência do medo, a mesma essência castradora que suponhamos ter terminado.Todavia não abaixei minha cabeça e tampouco me reduzi nesse ímpeto que é tão meu e às vezes nem me é normal. Só e cada vez mais só segui por essa trilha do desconhecido em busca de outros paralelos rudes, como eu, como todos. Esses risos me são conhecidos. Todos caçoam de todos e seguimos a fomentação da realeza que não é popular e nunca foi. Não quero mais estar à margem, prefiro morrer. Morri.

Realismo Fantástico num Submundo Irreal

Depois de diversas desventuras vividas naquele lugarejo longínquo, e revoltados com tantos descasos, alguns viventes do submundo, agrupados e conscientes, se rebelam contra a enigmática entidade denominada JOFA. Mas antes de continuarmos nosso relato histórico vamos conhecer essa entidade espectral; como sabemos, as entidades não são criadas assim, de uma hora para outra, ah não, elas são preparadas e também vão se preparando para tal metamorfose e com o decorrer do tempo ficam mais fortes, dependendo do lugar onde estão e da benção que recebem, elas podem até mesmo se transformarem em entidades surrealistas, daquelas que nem precisam aparecer mais, só o nome já é o suficiente para causar furor.JOFA era um destes casos, aliás, podemos dizer que JOFA não é uma entidade comum, não senhores, ela é uma dessas especiais, criada a partir da junção de alguns seres mais vagabundos (no sentido péssimo da palavra) e hipócritas que já apareceram no submundo. No começo, antes de ser essa entidade, JOFA que nem mesmo tinha esse nome, pousava de líder, freqüentava lugares ditos subversivos, “lutava” por algumas causas, óbvio que tudo isso já era visando uma posição de destaque no futuro, e não menos se tornar a tal entidade que hoje assombra o submundo, até porque, como sabemos, tudo nessa vida tem um preço, e JOFA sabia muito bem disso. Bom, voltando para nossa entidade e o lugar onde esta reinava, podemos dizer que alguns súditos de JOFA hoje – e estes não eram poucos - não o eram no passado, mas como tudo muda, esses súditos também tinham o direito a tal mudança, afinal de contas fazemos parte de um contexto muito maior, e quem somos nós para discutir tal contexto. JOFA já estava um bom tempo reinando, já tinha “conquistado” vários súditos, e tais conquistas vinham de várias maneiras, sempre bem humorado e solicito JOFA agradava a quase todos, só os mais honestos e sinceros era o que nossa entidade não conquistara. Esse era o seu maior dilema, mas usando métodos, digamos assim, “provincianos” tentava calar esses que não se ajoelhavam perante sua imponência.De certa forma, o caudilhismo Jofiano já estava tomando proporções absurdas, alguns contestadores já não tinham muita paciência para tal coronelismo e tentavam quebrar essa ordem estabelecida, e olha que essa ordem era em todas as partes, desde seu reino, onde JOFA permanecia intocável, passando por seus reinos-filiais, até mesmo, imaginem vocês, na mais pura das casas JOFA tinha lá seu agente. Além de tudo isso, ele também contava com a alienação de alguns “viventes” do submundo, esses eram o maior trunfo de JOFA, porque esses “viventes” em nada acrescentavam, apenas eram usados para como forma de alimentos, podemos dizer que JOFA também era uma espécie de vampiro, sugando seus súditos e não súditos.De qualquer maneira nossa entidade se estabelecia cada vez com mais força, impondo seus pensamentos em toda casta do submundo. Gozando de certos privilégios, seus súditos se acalentavam do poder suposto que acreditavam ter. Mas, uma vez descrente de que tudo tem um fim, e como seu poder crescia paralelamente com o ódio que os não súditos mantinham para com JOFA e sua trupe de ordinários, certo dia eis que todos os descontentes se juntaram, mesmo que isso tenha custado a certos egos algo não muito - chamaremos assim - agradável. Deixando de lado todas as diferenças, os viventes preocupados com o submundo, - abriremos aqui um pequeno parágrafo para explicar (ou pelo menos tentar) o porque dessa preocupação de alguns viventes com o submundo:A maioria dos viventes rebeldes mantinham um nível cultural acima da média daqueles que viviam embaixo dos culhões de JOFA, apesar de tudo contra, esses viventes tentavam se manter dignos, mesmo sem contar com o apoio de JOFA; aliás, JOFA só dava seus créditos como entidade possuidora do submundo para seus súditos, apesar dos viventes rebeldes terem muito mais capacidade intelectual do que a maioria dos súditos, estes não eram consultados nem chamados para participarem de nenhuma obra vinda do reino da entidade. Vendo tudo de errado que estava sendo feito no reino, só sobrava para os rebeldes a organização visando por um fim no reinado de JOFA. Mas todos sabemos que quebrar conceitos nunca foi fácil, a tarefa dos rebeldes era uma missão muito difícil, eles teriam que juntar todas as forças e buscarem toda a sabedoria em prol dessa caminhada que estava para começar.Sabendo de toda essa trama para depo-lo do reino ou pelo menos tentar anular seu poder, JOFA se preparava, sempre na base do “é dando que se recebe”, a entidade dominante tinha lá seu grupo e sua agenda continha nomes especiais, em alguns casos uma simples ligação e pronto, questão resolvida.Por outro lado, os rebeldes também se organizavam, mesmo sem esse poderio todo, eles iam em busca de soluções mais adequadas à suas realidades; depois de alguns encontros e muito bate-boca (imprescindível para alcançar o objetivo), todos já sabiam como enfrentariam a entidade. Prudente como ele só - alcançar o poder não é tão fácil assim, mante-lo tão pouco – JOFA havia mandando um agente seu infiltrar-se na organização rebelde e todos nós já sabemos como isso funciona, é mais ou menos igual a alguns filmes: o policial (ou outro ser com essas características) se encaixa na dita quadrilha, fica amigo do grupo e, depois – num ato heróico – prende todos. Pois esse mesmo fato também se deu no submundo. Só que a “turma” jofiana não contava com algumas peripécias dos rebeldes, fantasticamente munidos com a sabedoria popular, determinados com a benção da junção comunitária, os revoltosos do submundo descobriram logo de início quem era o tal “judas”; ora senhores, todos temos um ser traidor, quem já não passou por situação semelhante, então...Não foi tão difícil assim descobrir quem era o traidor, pois, sem contar o óbvio, “calabares” já dão a deixa. Agora, vejam vocês, sinto muito o término desse jeito, mas, como não poderia transpor essas questões, tudo nessa vida tem a sua “moral”, ficamos (tentando) analisar a desse simplório texto.

Tula

Tula. Tula. Tula.

Só esse nome me vem ao pensamento agora. Essa garota...engraçado como a conheci. Nunca mais esqueço. Estava dançando no antigo Blance. Tava rolando Funkadelic, One Nation. De repente percebo aquele corpo se contorcendo. Começo olhando os quadris. Largos, amplos. Meus olhos vão subindo. Vejo seus seios: pequenos, os bicos sobressaltam a blusinha colada. Fico um instante olhando. Linda. Dentes de leite. Boca carnuda. Lábios carmim. Nariz achatado, olhos amendoados. Cabelos crespos. Muitos. Não esqueço mais. Que maravilha. Ela se mexia toda. Tive a impressão de que nunca o Funkadelic tinha tocado tão bem. Ah se o George Clinton a conhecesse. Sei não, acho que o cara teria pirado, assim como eu estava naquele momento. Fui mais para perto dela. Dançamos um pouco juntos e daqui a um tempo estávamos nos enroscando que nem serpentes. A música já era outra. Como é seu nome?, grito no seu ouvido esquerdo. Tula. Como? Tuulaaa. Tuta? Não, Tu-la. Ah, Tula. O meu é Clóvis, você é maravilhosa Tula. Você é que é...confesso que tremi nessa hora. De repente já tou grudado nos seus beiços carnudos. Uau!! Ela berra. Você é carnívoro?, e solta um sorriso sensacional mostrando aqueles dentes magistrais. Sou um lobo meu amor, falo instigante. Eu adoro lobos. Tremi novamente. Ficamos um tempo ali se engolindo. Minha boca na dela e mãos por toda extensão dos corpos. Quase viramos um só. Vamos pra lá, propus. Vamos. Fomos pro banheiro. Já entramos grudados. Ela abaixou minhas calças. Meu pau saltou. Ela pegava e apertava a cabeça com muita força. Noossaaa!! Levantei sua blusa e fui mordendo aqueles biquinhos sensacionais. Que linda, pensava enquanto mordiscava seus peitinhos. Arranquei sua calça juntamente com a calcinha e enfiei meu dedo na sua buceta quente e cabeluda. Ela gemia muito. Num ínfimo de segundo já estava dentro dela com violência. Foi uma foda quentíssima. Ela, de quatro, e eu a penetrando freneticamente. Parecia que íamos sucumbir naquele estado de prazer maravilhoso. Gozei dentro, nem pensei em nada. Minha cabeça era só ela. Humm, Clóvis, você é ótimo...ela murmurou entre gemendo e rosnando. Tudo nela era divino. Vestimos nossas roupas. Estava muito suado. Saímos da danceteria e fomos direto pra casa dela. Ali perto. Uns 10 minutos de táxi. Já no banco do carro nos grudamos novamente. A boca dela era uma coisa inexplicável. Que mulher! Eu não conseguia acreditar naquilo. Chegamos. 8º andar. No elevador mais beijos. Que doideira. Meu pau latejava. A mão dela sempre ali, apertando, mexendo. Vai e vem. Quando abriu a porta, já caímos no sofá. Não deu tempo de mais nada. Em segundos já estavámos pelados. Ela por cima de mim, se mexendo em forma de 8. Foi delirante. Como era gostosa. Gozei novamente. Fomos pro banheiro. Esfrega esfrega alucinado. Embaixo do chuveiro começo a chupa-la abruptamente. Minha língua trabalhando bem, sem parar. Peço pra ela ficar de quatro. Que visão esplendida. Aquele bunda carnuda. Aquele cuzinho piscando pra mim, como que pedindo beijos. Fui sem pestanejar. Enfiei a língua naquele buraco negro maravilhoso. Ela não acreditou. Gemia alto. Eu passava a língua no buraquinho e a safada gemia. Rebolava. Uivava. Lambia e penetrava com meu dedo. Aí ela pirou de vez. Gritava agora. Mete no cu vai. Era uma ordem e eu submisso obedeci. Peguei um de seus cremes de cabelo e passei no seu cuzinho, melequei bem, cuspi no pau duas vezes e pus pra dentro. Entrou deslizando gostosamente. Ela tremeu. Senti suas pernas balançarem. Era um jogo frenético. O chuveiro jorrando água em nós. Eu não parava. Deliciosa. Ela berrava. Eu estava louco. Ela me pediu que gozasse dentro. Como já disse estava submisso à ela. Obedeci mais uma vez. Jorrei.- Tula você é uma safada.- Cê acha? Perguntava fazendo beicinho.

Clóvis, pega uma cerveja pra nós vai meu amor.- Pra você eu faço tudo. Nesse dia transamos muito. A todo momento. Dormíamos um pouco, acordávamos e já estavámos grudado. Foi assim nosso domingo de glória.Combinamos que íamos nos ver na quarta. Os dois dias que se sucederam meu pensamento era só naquela mulher. Tula. Não sabia muita coisa sobre ela. Nosso primeiro dia não conversamos muito. Foi sexo puro. Nesses dois dias me masturbei pensando nela. Sua pele negra me excitava muito. Adoro peles escuras. - Alô.- Oi gato. Adivinha quem é?- Preciso mesmo?- Tá livre hoje para nossas brincadeirinhas?- Então se prepara.- Vem logo vem, meu lobão.- Daqui a pouco estarei por aí?- Beijo- Beijão. Caralho. Hoje vai ser foda. Vou direto pro chuveiro e tomo um banho. Lavo bem o pau. Cuido bem dele, meu companheiro inseparável.Toco a campainha. Sobe. Subo. A porta já está semi aberta. Entro. Ela está peladinha. Eu quase caio de boca naquela buceta, mais os lábios dela já mordem os meus violentamente. Não deu nem pra dizer um oi. Melhor recepção da minha vida. Nos pegamos. Dessa vez começamos com um meia-nove. Sua buceta cabeluda deu um certo trabalho, mas nada assim tão complicado. Achei seu clitóris. Pequeno e Vermelho. Lambi, mordi...minha língua é ligeira, percorre tudo. Penetra, volta, sobe, desce. Ela enlouquece. Eu também. Ela me chupa desesperadamente. Parece que meu pau é o último pau do mundo, nunca mais vai ter outro. Mordisca a cabeça. Uuuuuu!! Puta que pariu. Mudamos de posição. Jogo suas pernas pro alto e me apoio em seus quadris. Penetro ela, dessa vez mais devagar. Minha boca alcança seus peitos. Ela me morde e arranha. Viro ela. Fico por baixo. Ela me engole. Fogo! Estamos pegando fogo. Meu pau está lambuzado com seu creme vaginal. Ela começa aquele 8, sobe e desce devagarinho. Sua bunda cobre minha pélvis toda. O corpo negro. Uma deusa africana. Ébano. Exuberante. Ficamos assim um bom tempo. Gozamos.- Estou esgotado.- Eu também.Tombamos de lado.- Tá com fome?, me pergunta com uma carinha protetora. As mulheres têm dessa né? Acho que é o instinto maternal. Tula tinha essa cara. Seria uma boa mãe.- Estou.- Pera aí. Vou fazer uma coisinha pra nós. Sai. Olho seu caminhar. Banto. Pergunto se sabe quanto tem de quadris. Acho que uns 90 e pouco, responde. Eu acho que passa de 100, brinco. Será? Acho que sim. Gosta de chá? Gosto, chá mate. Gelado? Rumrum. Bolo? De que? Banana? Hummm.Volta com uma bandeja de plástico com 2 copos e 2 pedaços de bolo.- Não adocei não, tá?- Sem problemas. Não como muito açúcar.- Eu também não. Minha família é diabética.- É? Todo mundo?- Quase todos. Minha mãe. Minha irmã. Meu sobrinho.- Noossa! Que merda hein.- Mas assim é melhor. É uma forma forçosa de evitar, não engordamos. Solta aquele sorriso devastador.- Tudo tem seu lado bom né? Tento mostrar meu otimismo contagiante.O bolo estava uma delícia. Pergunto se foi ela quem fez. Diz que não. Compra numa padaria ali perto.

Tomamos um banho juntos. Ela começa a me esfregar.- Vou te dar um banho. - Eu vou adorar.Pegava o sabonete e passava pelas minhas costas. Na barriga, nas bolas, no pau. Limpava a cabeça com uma perfeição exemplar. Pedi pra ela bater uma punheta. Passou o sabonete na mão e começou. Devagar, ia e vinha. Parava na cabeça e apalpava. Voltava. Daqui a pouco tava mais rápida. Que mão essa mina tem. Ah! Quando ela sentiu que eu ia gozar, a filadaputa parou.- Que foi, logo agora que ia...- Por isso mesmo. Quero dentro de mim.Fomos pro sofá. Ela se ajoelhou no sofá com a bunda virada pra mim. Coloquei meu pau dentro dela de uma só vez. Ficamos num vai e vem por uns 10 minutos. Depois fomos de lado. Aí gozei. Tudo dentro. Dessa vez fiquei preocupado. Mas na hora não toquei no assunto. Ficamos grudado e adormecemos. Já era quase 1 da manhã quando fui embora. Ela ainda insistiu para que eu ficasse, mas tinha que resolver algumas coisas. Não daria. Fui pra casa.No outro dia ligo pra ela do meu trampo.- Oi.- Clóviiis! Oi meu amor, vem pra cá hoje, vem?Como resistir a um pedido desses.- Vou sim. To com saudades.Estava apaixonado pela safada. Mas estava preocupado com aquela transa. Fizemos sem camisinha. Gozei dentro. Não queria nem pensar nisso. Liguei pro Jonilson. Amigo de longa data. Tinha que contar pra alguém sobre essa mulher.- E aí mano.- Fala Clóvis. Legal?- Puta que pariu. To comendo uma neguinha divina. Cê vai conhece-la. Ma-ra-vi-lho-sa- É. Gostosa?- Sensacional. Conheci ontem de ontem no Blance. Só penso nela desde então.Jonilson, assim como eu gostava de mulheres de pele escura.- De onde ela é?- Daqui de perto mesmo. To indo pra lá.- Passa aqui em casa antes. Peguei um baseado no Zamba.- Ô. Legal. Daqui a pouco to aí.- Falô.- Falô. Peguei o busão e fui pro Jonilson.- E aí?- Tudo bom cara? Senta aí. Quer cerveja?- Quero, cadê o baseado?- Aqui.- Tem Funkadelic aí?- Quer ouvir?- Quero. One Nation.- Pera aí.- É que Sábado tava rolando esse som quando eu vi a Tula.- Tula?- É caralho, o nome dela é esse.- Nome?, pensei que fosse apelido.- Ela me falou que era nome.- Pode ser, e aí?- Véio. É muito linda. Perfeita.- Como ela é?- Preta, do dedão dos pés até os cabelos. Boca grande com lábios carnudos. Gostosíssima. Esculpida.- O fumo já tá enrolado.Jonilson acende. Dá uma tragada forte. Tossi um pouco. Dá outra. Comenta alguma coisa e me passa o baseado. Na palha. Só fumamos assim. Puxo, seguro um pouco e solto a fumaça. Dou um gole na breja. Ah, isso é bom demais!Jonilson me mostra uma banda que toca música do Funkadelic, só que em versão instrumental. Clinton Administration.- Caralho. Que legal isso né?- Muito bom né cara?- Empresta pra mim, vou levar pra ouvir na Tula.- Beleza.Passo o baseado pra ele. E assim fomos fumando aquela maconha do Zamba ouvindo Clinton Administration. - Ae, to saindo fora.- Então Clóvis, qué levar o livro agora?- Depois eu pego, tá limpo?- Tudo bemTo louco pra ler esse livro, Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século 20. Mas hoje eu quero é sexo com aquela deusa.Pego o ônibus e em 15 minutos to no sofá da Tula, sem roupa, saboreando seu cuzinho. Dessa vez uso camisinha. Também durmo por lá. Acordo cedo faço uma vitamina de banana com leite. Tomo uma ducha. Visto minhas roupas. Vou até o quarto e dou um beijo naquela maravilha.- Volta hoje meu amor?- Talvez. Respondo usando um certo charme. Mas já tava muito óbvio que eu voltaria. Saio. Puta que pariu. To fisgado. Essa mina me capturou. Trabalho até as 5 só pensando nela. Depois passo na casa do Jonilson para pegar o livro.- Entra aí Clóvis. Essa é a Cristina.- Prazer, Clóvis.- Oi. Cristina. Tudo bem?- Então mano, vim só pegar o livro.- Vamos lá, tá no outro quartoPergunto quem é a mina.- Linda né?- E aí já comeu?- Ainda não, mas não vai demorar muito não.- Então beleza. To indo. Tiau Cristina.- Tiau Clóvis.Cristina era uma mestiça. Muito bonita. Narizinho arrebitado.Vou pra casa. No meio do caminho troco de direção. O porteiro do prédio já me conhece. Olá. Boa noite. Bato na porta da Tula. Demora um pouco para abrir. Toco a campainha, nada. Chamo pelo nome. Tuulaa. Ouço uma voz vindo lá de dentro. Pera aí. Abre logo aqui. To indo meu amor. Há algo de errado em sua voz, tá mais nasal. Esmurro a porta. Abre ofegante. Cabelos revoltos.- Oi...que pressa hein...Não deixo ela terminar a frase. Entro no apartamento com tudo.- Tem alguém aí com você né? Porque a demora em abrir a merda da porta? Veio toda desarrumada. Porra Tula, se tiver alguém...- Relaxa Clóvis. Tava dormindo porra. Senta aí vai. Que é isso meu.Levanto e percorro a casa. Que merda. Estou com ciúmes dessa fila da puta. Penso em olhar no guarda-roupas. Porra. Coisa de filme. Não, isso não. Não vou cair nessa. Vai que eu abro a porra da porta e cai um cara lá de dentro.- Tula. Grito.- Que é.- Tem alguém nessa porra de guarda-roupa?- Caralho. Tá louco, seu idiota. Abre essa merda então.Vem voando em minha direção. Me empurra pro lado e abre a porta. Meu coração dispara. Quase tenho um enfarto. Nada.- Olha aqui merda. Olha.Viro a cara, mas com os olhos dentro do guarda-roupa.- Olha aqui, cuzão.- Tá bom. Desculpe. To viajando. Você demorou muito pra abrir a porta. Sei lá. Desculpa. Fiquei enciumado.- Porra Clóvis. Você é um cara todo com idéia liberal, todo moderninho e fica nessa de ciúmes. Porra meu...- Já pedi desculpas meu.- To mal com você. Vai embora vai.- Tula, meu amor, desculpa vai, é sério.- Não Clóvis. Não me toca não. To com raiva. Puta fuzuê sem motivo nenhum, 5 dias que a gente se conhece e você já arma essa zona toda. Pra mim não dá não cara. Sou uma mulher livre. Não gosto de macho me dominando não. Minha mãe me criou para ser livre. Blá, blá, blá, blá....Ela falou interminavelmente. Fiquei ali ouvindo seu discurso inflamado e terrível. Como falava. Ainda tentei argumentar que tava com ciúmes, que eu não era possessivo e tudo mais. Não adiantou nada. - Tudo bem Tula. To indo. Só que se eu sair. Você não vai mais me ver.- Foda-se, não quero ninguém me controlando.- Foda-se você.- Escuta aqui Clóvis, essa é a minha casa, beleza? Cai fora agora.Veio me empurrando com uma fúria que não combinava com ela. Me defendi. Aí veio a unhada. Na cara. Sangue. Me desesperei. Fiquei cego. Fechei a mão e acertei sua cara com um soco. Bem na boca. Ela foi para trás. Passei a mão no rosto, tava sangrando muito. Ela se levantou e, gritando e me xingando, se jogou pra cima de mim. Empurrei ela, caiu no chão.- Pára com isso caralho. - Seu corno filho da puta. Cuzão. Viado.- Pára porra.- Sai daqui seu bosta. Sai agora.Saí. O zelador ficou me olhando. Passei num bar e peguei umas folhas de guardanapo. Apalpei contra os arranhões. Limpei o sangue. O dono do bar me observava. Que é seu filadaputa, pensei olhando pra ele. Fiz sinal de positivo. Ele não fez nada, só me olhava.Peguei o busão, fui sentar no fundo. Último banco. Fiquei pensando em como chegamos nessa situação. Do ardor da paixão intensa e acalorada pro ardor da violência, verbal e física. Queria voltar lá e pedir perdão e abraça-la e beija-la. Mas meu orgulho imbecil não me permitiria isso.Desci. Já em casa me olho no espelho. Relembro nossas transas. Meu pau endurece. Como eu vou viver sem essa mulher. Penso em ligar pra ela. Vou perto do fone. Disco. Toca umas 5 vezes. Ela atende. Alô. Uma voz triste e abafada. Não digo nada. Ela ainda fica perguntando quem é. Desliguei.Tomo um banho. Passo o sabonete no rosto. Arde muito. Parece que lutei contra o Wolverine. Que merda. Enrolo um baseado e ponho o cd do Clinton Administration. One Nation instrumental.

Antítese

Quando abri os olhos vi que estava num quarto. Ainda estava tonto. A noite passada...levantei e fui até o banheiro. Minha cabeça arrebentando de tanta dor. Que sonho horrível. Olhei-me no espelho. Cara destroçada, reflexo de uma noite mal dormida. Não me lembrava de quase nada. Tinha saído com alguns amigos. Fomos numa festa. Enchi a cara de vinho e outros líqüidos. A certa altura alguém chegou com um prato cheio de carreira de cocaína. Quando acabava, aparecia outro...
E esse sonho que tive: estava nu, correndo por uma estrada. Ao mesmo tempo, paralelamente, também aparecia uma garota nua. Às vezes eu conhecia seu rosto, outras vezes não; ela se tornava uma total desconhecida.
Abro o chuveiro e entro embaixo. Deixo a água um tempo fria, para tentar despertar. Agora me lembro. Tinha uma garota cheirando com a gente. Era a mesma do meu sonho. Que estranho! Troco a chave do chuveiro, de fria para morna. Quando eu estava correndo, no sonho...era a mesma garota. Sim! Era ela mesma...ela corria comigo no sonho. Seu rosto agora me é perfeito. Na festa ela entrou em coma. Desmaio. Tentamos reanima-la. Forçamos seu peito com as mãos fechadas. Agora me lembro. Abrimos sua blusa. Estava sem sutiã. Fiquei olhando aqueles peitos. Eram maravilhosos. Algumas pessoas foram embora da festa, talvez com medo. Eu fiquei, juntamente com mais 2 amigos, ali no quarto. Já estávamos chapados. Sim. Agora me lembro. Sim. Tiramos a roupa da garota. Da sua boca saia uma espuma. Limpamos. Não estava morta, respirava. Sentimos sua respiração.
Meu nariz está escorrendo...tinha muita cocaína. Só estávamos nós 4. Eu, dois amigos e a garota ali deitada no chão do quarto.. minha mente está confusa...mas no meu sonho era só eu e ela, correndo nus. Ela era linda. Eu me sentia bem em estar junto dela. Seu rosto...agora me lembro...seu rosto.
Saio do chuveiro. Esse banho me fez bem. Sinto-me recuperado. Me enxugo e visto uma roupa que está em cima da cadeira. Não é a mesma roupa que eu usava na festa. Reparo melhor no interior da casa. Engraçado, agora vejo que não conheço essa casa. Minha mente está confusa, corro pro quarto. Nada. Essa casa não é a minha casa! Onde estou??
O sonho! Ela estava correndo em outra direção. Eu estava correndo atrás dela. É isso. Agora lembro-me claramente. Eu corria atrás dela. Eu chamava seu nome...pedia para ela parar. Dizia que estava tudo bem; nós...eu...não iria lhe acontecer nada. Mas ela estava desesperada. Foi então que...mas essa casa não é a minha. Eu não sei de quem é essa casa. Eu não sei onde estou.
Tento sair. Porta trancada. Chaves? Desespero. A cama...o quarto...tem alguém lá...mas eu já olhei...volto pro quarto. Desespero! Meus atos...minhas ações...agora, como uma febre que nos atormenta e causa-nos devaneio, vejo um amontoado na cama...é um corpo...esse corpo...puxo o cobertor...é ela! É a garota da festa...do meu sonho.
Essa realidade não é a minha. Inexisto. Sou e estou atemporal; que tempo é esse? Solto...irredutível...será tão flexível assim essa visão que tenho agora? Minha realidade tão subjetiva assim? A apreensão dos sentidos...desacordo...a inevitável verdade subjetiva. Não estou acordado para essa antítese.

Adão

Inescrupuloso.
Assim eu auto defino-me. Não reclamo de nada. Tive algumas oportunidades na vida. Abracei aquela que mais me excitava: o crime. Até meus 14 anos convivi com prostitutas. Pessoas que faziam da sobrevivência sua luta constante. Vivendo à margem e numa corda bamba. No fio da navalha cresci. Todas as coisas se confundiam na minha vida. Sem salvação. Minha alma já estava condenada. Roguei à Jesus Cristo, nosso Senhor e saí.
Aquele era mais um de tantos assaltos; para mim não passava disso. Tudo na minha vida tinha sido assim: fugaz, momentâneo. E aquele assalto não seria diferente. Tudo arranjado. Rendemos o porteiro, que ficava numa cabine na entrada da empresa. Pobre coitado. Fechado numa minúscula redoma. Sempre defendendo interesses que não lhe dizia absolutamente nada. Entramos na empresa. Roubamos as máquinas e saímos. Muito fácil. O próprio sócio tinha nos passado toda a idéia da situação. Fácil demais.
Enquanto espero o horário determinado para outro roubo escrevo minhas memórias numa agenda. Meus “anotamentos”. Gosto dessa palavra, prefiro ela à anotações. Sem fundamento, vazia. Escrevo e rabisco tudo que o cérebro produz. Sem dar importância a ordem ou a gramática. Aprendi a ler e escrever no próprio puteiro. Minha mãe trabalhava nesse puteiro. Era uma prostituta. Sempre aqueles homens roçando nela, beijando seu pescoço. Passando a mão na sua bunda. Eu a odiava por isso. Odiava aquele lugar. Só uma daquelas mulheres me tratava bem. Cindy. Lembro quando a vi pela primeira vez, eu deveria ter uns 7 ou 8 anos. Ela uns 18. Linda. Exuberante. Morena, cabelos pretos e longos. Na minha infância inocente eu a admirava como uma mulher, um ser humano. Ainda não tinha olhos para seu belo corpo. Cindy me ensinou a ler e escrever. Era uma mulher culta. Gostava de ler; lia de tudo: literatura, filosofia, poesias. Quando Cindy chegou por lá eu não sabia ler nada. Ela foi me alfabetizando. Seu método era bem simples, mas eficiente. Ela me falava que alfabetizar as pessoas não era difícil. Citava um pedagogo chamado Paulo Freire. Ela me dizia que ele tinha revolucionado a educação através do livro Pedagogia do Oprimido. Que em outros países era muito respeitado, mas aqui no Brasil quase ninguém utilizava seu método. Se eu pudesse escolher trocaria minha mãe por aquela mulher.
Minha vida, até os 14 anos, passou nesse puteiro. Cindy me trazendo livros. Me mostrando um monte de novidades. Eu a adorava. Contemplava sua sabedoria. Fora daquele puteiro eu estava começando outra educação: a do crime. Dividido entre Júlio Verne e um 38 na cintura. Roubar e depois ir numa livraria para comprar um livro.
Longe da presença de minha mãe. Perto de Cindy. Ela sabia de tudo. Me abria com ela, não escondia nada. Ela nunca me reprimiu. Nunca disse faça isso, faça aquilo. Me ouvia e nada me cobrava. Comecei a me apaixonar por ela. Da figura de mãe, Cindy passou a ser para mim uma mulher. Ela sabia disso, sentia meus olhares para seu corpo.
Quando completei 15 anos já não ia mais ao puteiro. Agora ficava mais na rua e em casa. Quando não estava roubando, estava lendo. Depois que lia encontrava-me com Cindy e discutíamos o livro. Às vezes ela não tinha lido o mesmo livro, então eu lhe emprestava. Já não era mais um menino. Com 15 anos tinha me tornado um adulto. Meu rosto, infantil, não condizia com minhas atitudes. Cindy era minha paixão. Amiga, confidente. Mãe? Não, isso tinha ficado para trás. Agora eu já não era mais seu menininho.
Meu primeiro assalto. Um colega da rua me convidou para roubarmos um mercadinho, fiquei um pouco receoso, mas topei. Me arranjou um 32. Entramos no mercado quando já estava fechando. Eu e ele gritando: “todo mundo quieto”. Aqueles rostos apavorados. Saímos com um volume considerável de grana. Torramos tudo num piscar de olhos. Comprei algumas roupas e vários livros. Fui ao cinema com Cindy. Ela adorou. Depois fomos comer. As pessoas nos olhando. Será que pensavam que éramos namorados?
Cindy me deu um livro de um autor brasileiro. Rubem Fonseca: Feliz Ano Novo. Pirei. Li e reli aquele conto que levava o mesmo nome do título. Como aquele cara pudera escrever algo tão real. Tão cruel, mas ao mesmo tempo denunciante. Uma porrada nas nossas caras. Eu queria escrever como ele. Quem me dera. A partir dali comecei a escrever em cadernos minhas lembranças. Mostrava à Cindy. Ela corrigia algumas coisas. Dava uns toques. Amava ela do fundo do meu coração.
Passei a morar só. Eu e minha mãe não cabíamos mais na mesma casa. Ela estava se aposentado. Iria parar, montar alguma coisa. Um cara iria ajudá-la. Conversávamos pouco agora.
Saí de casa e aluguei uma quitinete no centro. Cindy me ajudou a alugar. Eu tinha 16 anos nessa época, minha vida no crime estava ficando agitada, roubava muito. Coisas grandes. Através da leitura me descobri uma pessoa generosa. Não iria roubar gente com pouca grana. Deixaria essa tarefa pro Estado. Bakunin foi meu mestre nessa época. Cindy me emprestou alguns livros dele e sobre ele. Um cliente seu falara dele. Cindy achou que eu gostaria e realmente isso aconteceu. Começamos a nos ver com mais freqüência. Ela ia sempre na minha casa. Conversávamos muito. Propus à ela morarmos juntos. Me disse que naquele momento não poderia.
Ficava olhando para ela. Sua pele lisa, uniforme, aveludada. Seu cabelo estava mais curto. Super escuro. Escorria pelo ombros. Num segmento de estalo falei o que sentia por ela. Nem precisa, ela já sentia essa paixão juvenil. Como num temporal, seus olhos escorriam. Foi então que ela chegou mais próximo de mim e me beijou. Primeiramente um toque leve com os lábios. Depois um beijo ardente. Caloroso. Ininterrupto. A noite era nossa. Nossos corpos quentes, grudados com o suor de ambos. A mulher que eu amava estava ao meu lado. Exuberante. Sua pele pregada à minha. A amei mais naquele instante. Éramos um esplendor da natureza. Pararia o tempo se pudesse.
Estava tentando deixar minha barba crescer. Cindy falou que se eu raspasse ficaria mais cheia. Fiz isso. Em um mês e pouco meu rosto estava com bastante pêlo. Parecia mais velho. Cindy tinha mais de 30; nunca me disse sua idade. Mas isso não me importava. Nos víamos todas as noites. Saíamos juntos. Andávamos de mãos dadas. Éramos um casal. Íamos muito ao cinema. Víamos quase todos os filmes. Discutíamos fotografia, cenário, direção. Líamos juntos livros sobre técnica cinematográfica. Propus para ela fazermos um curta-metragem, mas precisávamos de uma câmera. Resolvi que iria roubar uma. Como em todos os meus assaltos, pesquisei antes sobre o lugar. Fui sozinho. Só queria a câmera de vídeo, nada mais. Tudo certo. Cheguei na loja quase no horário de fechar. Fiquei ali no canto, fingindo que olhava alguma coisa. Esperei que a funcionária abaixasse umas das portas. Chamei por ela e apontei algo na vitrine. Quando ela veio na minha direção, puxei a arma. “Só quero aquela câmera”, falei, apontado na direção do balcão. Vacilei. Não vi a outra pessoa atrás do balcão. O alarme disparou; só deu tempo de pegar a câmera, colocar dentro da mochila e sair em disparada. Quando olho para trás vejo dois homens atrás de mim. De repente sinto uma perna entrelaçar a minha. Caio. Tudo muito rápido. Levanto novamente. Minha vida é um ato insano. Sempre foi. Penso na Cindy. Ouço o disparo. Uma dor horripilante nas costas. Sinto a bala penetrar meu ombro. Escurece tudo. A dor é fenomenal. Tento levantar, mas é tarde... Um chute violento me atinge a barriga.
Acordo num hospital. Cindy está ao lado da cama, juntamente com um homem gordo e com um tapa-olho do lado esquerdo. “Oi”, digo. Ela começa a me explicar que aquele sujeito ao seu lado é o Doutor Tavares. Advogado. “Vou para a Febem?”, pergunto assustado. “Ainda não”. “E a câmera?”. “Desapareceu”...Doutor Tavares consegue uma brecha na justiça: sou réu primário e menor. Dessa vez consigo me safar, mas não sem seqüelas. Meu nome ficará ali, nas garras da lei; qualquer outro ato falho e ela me pegará.
Fico imobilizado por uns 3 meses. Meu ombro esquerdo dói muito. Cindy cuida de mim nesse tempo. Estamos namorando, mas nenhum dos dois diz nada um pro outro. É um relacionamento aberto. Ela está ficando mais velha, noto no seu rosto algumas rugas. Seu cabelo está mais curto. Eu a amo cada vez mais. Nesse período que fico em casa, aproveito e leio tudo que posso. Agora me interesso por história do Brasil.
Cindy me propõe um emprego. Um dos seus “amigos” já providenciou; serei ajudante em sua livraria. Para mim tudo bem, digo para ela. Vou atrás de tirar os documentos. Em uma semana minha vida dá uma guinada, sou um trabalhador agora. Um homem honesto, pagador de impostos.
A livraria é uma jóia rara. Um universo de livros. Cindy me visita quase todos os dias. Comprei um livro de presente para ela. É de uma fotógrafa que tem o mesmo nome que o seu: Cindy Shermann.

No meu aniversário de 18 anos, ganho uma festa surpresa. Cindy preparou tudo. Como tenho poucos amigos, só estão ali, além de Cindy, minha mãe, seu marido; o dono da livraria, mais umas garotas que trabalham com Cindy. Tinha muito vinho e cerveja, como eu não bebo ficava só no refrigerante. A noite passou rápido, nem percebemos. Uma das garotas fica me paquerando. Cindy percebe. Fica quieta. Eu também a paquero. É muito bonita, deve ter uns 20 anos. Minha mãe e seu marido se despedem, levo eles até a saída e agradeço por terem vindo. Na volta encontro com ela, Vivian. O clima entre nós fica cada vez mais quente. Mas sob o olhar de Cindy não iria rolar nada. Combino com Vivian que nos veríamos depois.
Já é de manhã quando todos se vão. Fico ali com Cindy. Não tocamos no assunto da Vivian. Não era a primeira vez que eu saia com outra garota. Ela sabia disso. Mas seria a primeira vez com uma colega sua. Não sei se isso a aborreceu. Acordamos tarde. Tomamos café juntos. Era Domingo. Tinha marcado com a Vivian à noite. Cindy desconfiava disso. Não me contive e falei pra ela. Cometi um erro grosseiro; nunca a tinha visto daquela forma: transtornada. Ela já sabia de tudo, mas não queria ouvir da minha boca. Protestei, não mentiria. Rompemos. Peguei algumas coisas e fui embora.
A noite encontrei com Vivian. Estava uma delícia. Cheirosa. Amava Cindy, mas Vivian tinha o esplendor dos 20 anos. Continuamos a sair, mas não gostaria de me relacionar seriamente com ela. Falei isso para ela logo no início. Ela também não queria nenhum tipo de compromisso. Saíamos juntos, transávamos e só.

Meu trabalho já estava me entediando. O fato de ter ficar ali, enfunado, todos os dias, aqueles clientes metidos a intelectualóides. Sempre repetindo frases feitas. Sempre falando o que os outros já disseram. Papagaios de merda. Isso me irritava. Para compensar a chatice comecei a roubar alguns livros na loja. Pegava a noite, punha na mochila, ninguém desconfiava.
Cindy, desde o nosso rompimento, não aparecia mais na livraria. Estava com muitas saudades dela. Já tinha quase um ano que não nos víamos. Resolvi ir até a sua casa. Fiquei meio receoso, mas quando ela veio abrir a porta e me viu ficou super feliz. Continuava linda, seus cabelos estavam maiores. Nos abraçamos. Procurei sua boca. Não. Tudo bem. Esperaria.
Ela não estava bem, iria parar de trabalhar como prostituta. Tinha juntando uma grana. Mas um ex-cliente seu estava lhe perturbando, ameaçando-a sempre. Me intrometi no assunto. Resolveria a parada. Não, eu não, outro pessoa resolveria.
Ficamos juntos nessa noite. Estava com saudades daqueles abraços. Seu corpo era quente. Foda-se o esplendor dos 20 anos. Aquele corpo era muito era muito mais quente e volumoso. Cindy estava em plena forma.
Saí de sua casa bem cedo. Não fui trabalhar. Com o endereço do canalha na mão fui procura-lo. Ele trabalhava numa empresa de cosméticos. Gerente. Soube também que era casado. Vi seu carro chegando. Esperei ele estacionar e sair do carro. Me aproximei e chamei pelo seu nome. Quando ele olhou para trás acertei sua boca com um soco. Ficou meio tonto, sem saber o que fazer, aproveitei e enfiei o pé na sua barriga. Caio. Olhei pros lados para me certificar de que ninguém nos via. Nada. Ele ali caído, se contorcendo, aproveitei e dei-lhe umas bicudas. Quando vejo outras pessoas se aproximando, me mando. O recado estava dado.
No outro dia passei na livraria. Pedi as contas. Não queria mais aquele serviço. O dono não falou nada. Voltaria depois para receber. Deu vontade de rouba-lo, mas não seria uma boa idéia. Fui encontrar-me com a Cindy, almoçamos juntos. Ela me diz que o canalha havia ligado. Não tinha jeito, as providências tinham que ser mais trágicas. Não menti pra ela. Disse-lhe que eu mesmo havia feito o serviço. Não gostou muito. Foi quando ela me disse que iria embora pro Rio de Janeiro. Perguntou se eu não queria ir junto. Propôs que morássemos juntos lá. Não pegaria no meu pé. Poderia sair com quem eu quisesse. E ela também. Prometi que pensaria a respeito. Transamos muito nessa noite. Ela parecia que estava possuída.
Saí de sua casa pensando na proposta de irmos pro Rio. Não sabia se isso era o melhor para mim naquele momento. Estava totalmente sem grana. Precisava me erguer, depois quem sabe...voltei para minha casa. Aquela Kit estava me saturando. Essa rotina não era para mim. Minha vida exigia ação. Desde cedo vi e vivi essa ação. Sempre mudando com minha mãe. Sempre o movimento presente em nossas vidas ordinárias. Cresci com esse movimento constante. Pessoas entravam e saiam a todo instante. Via isso com naturalidade. Sempre foi assim. Minha infância toda assim. Mulheres nuas. Sempre as vi nuas. Com 12 anos já trepava com as prostitutas. A naturalidade das coisas...uma subversão do modo familiar de se viver.
Passei por tudo. Via aquelas mulheres se drogando: cocaína, heroína...Nunca experimentei nada. Nem bebida alcóolica. De tanto ver pessoas se matando fiquei com aversão. Minha adrenalina é outra...
Não sei se estava preparado para esse relacionamento com a Cindy. Seu ciúme era muito, por mais que ela falasse que não, tinha lá minhas dúvidas.
Dormi mal, meus pensamentos em abundância. Logo de manhã Cindy está na minha casa. Também tinha dormido mal. Veio me avisar que já estava indo para o Rio. Queria saber se eu iria com ela. Fiquei pasmo. As mulheres tomam as decisões muito rápido; sua lógica era dinâmica. Falei para ela que não. Ela já sabia disso, só veio confirmar. Me abraçou. Nos beijamos. Me passou o endereço de onde iria ficar, fiquei olhando ela sair.
A ficha ainda não tinha caído. Para mim iria ver Cindy mais tarde. Pura ilusão que o cérebro cria para aliviar a dor. Estava muito triste com a ida dela para o Rio de Janeiro.
Fiquei um pouco em casa, mas logo veio a idéia de fazer um assalto. Mas o quê? Não tinha me programado, nem planejado nada. Precisava aliviar a tensão causada pela viagem de Cindy. Estava irrequieto. Minha cabeça pensando. Nada me aquietava. Tentei ler, ouvir música. Nada. Saí e fui ao cinema. Tentava me acomodar...saí e passei na livraria. Já estava planejando assaltar ali mesmo...fiquei um tempo ali observando. Conversei com a garota do caixa. Cadê o dono. Ah tá não...viajando. Não poderia ser mais perfeito. Voltei para casa mais calmo.
Já tinha tudo em mente. Acordei cedo peguei minha arma e coloquei dentro da bolsa. Cheguei na livraria antes mesmo de abrir. Chega a caixa e mais dois funcionários. Não me vêem. Espero eles abrirem as portas. Assim que a livraria está aberto entro e vou direto pro caixa. A moça quando me vê toma um susto. Você por aqui?? Conversei um pouco com ela. Vagabunda. Pensava que eu não sabia que ela saia com o dono. Depois vinha falar das prostitutas. Nunca gostei dela. Era agora. Abri a bolsa e mostrei a arma para ela. Sem alarmes, falei baixinho. Pedi a grana. Ela teimou dizendo que não tinha nada. Sem vergonha do caralho. Forcei a voz e fiz ameaças. Abriu o caixa e me passou o que tinha dentro. Safada. Digo pra ela que embaixo também tem dinheiro. É um compartimento que tem nos caixas. Não serve pra porra nenhuma; já tinha sacado aquilo quando trabalhei ali. Levantou. Um monte de nota de 50 e 100. Me passou tudo. Olhei para a livraria. Alguns cliente começaram a chegar. Olhei para a vagabunda, pela sua cara vi que queria ficar com algum dinheiro. Dei-lhe umas notas. Pisquei para ela. Entendeu a mensagem.
Sai fora. Acho que alguém percebeu. Tomei um ônibus e fui direto para a rodoviária. Comprei passagem pro Rio. Só pensava na Cindy. Logo quando sento na poltrona verifico quanto consegui. 2 mil e pouco. dava pra fazer alguma coisa.
Durmo um pouco e sonho com a praia...chego na rodoviária carioca de noite. Ligo pra Cindy. Ela toma um susto. Pego um táxi e vou para sua casa. Vejo a praia da janela do carro. É uma paisagem linda.
Do portão ela já me avista. Está com um shortinho colado. Seu corpo ainda é bonito. Firme. Deve ter uns 40 anos, penso enquanto pago o taxista. Ela está contente. Nos abraçamos como nunca. Parecia que não nos víamos há uns 100 anos.
A casa que ela está é grande. Uma amiga sua emprestou. Falo o que fiz em São Paulo. Ela não acredita. Fica um pouco nervosa. Tento argumentar que a mina do caixa levou sua parte. Talvez ela ficasse quieta, mas tudo em vão. Me pergunta quanto eu consegui. 2 mil. E suas coisas? Em São Paulo, depois eu pego.
Ela me fala que conseguiu uma casa em Petrópolis, lá iria abrir um antiquário. É a nossa chance, ela fala feliz. Conversamos muito sobre um monte de coisas e depois fomos passear na praia. Era a primeira vez que eu via o mar. Que emoção. Aquelas luzes. A noite a cidade era mais charmosa.
Cindy me apresentou sua amiga. era um travesti. Susy Cristina. Ela tinha o rosto bem feminino. Magra, alta. Acho que ela colocou todo o silicone do mundo nos peitos e na bunda. Até nos quadril, depois fiquei sabendo. Trabalhava de noite numa boate em Botafogo. Fomos até lá. Uma boa parte daqueles travecos se passavam por mulher tranqüilamente. Qualquer cabra macho se encantava quando via aquelas “meninas”. Cindy brincava comigo, me perguntando se eu sairia com uma delas. Disse que não tinha preconceito nenhum, mas não transaria com elas em hipótese alguma.
Tinha que voltar para São Paulo, pegar minhas coisas. Já estava há uma semana no Rio. Cindy comprou roupas para mim. Não deixava eu gastar o dinheiro. Comia e bebia à suas custas. Ela nem ligava, eu ficava um pouco receoso. Sabia que não tinha problemas nenhum. Ajudava ela nas tarefas domésticas.
De dia Susy, quando não estava dormindo, ficava conosco. Nunca me cantou. Sabia do meu relacionamento com Cindy. conversávamos sobre isso. Ela me perguntava se eu não achava ruim sair com uma mulher mais velha. Dizia que não. Amava Cindy verdadeiramente.
Já estava tudo pronto. Cindy conseguiu um caminhão para trazer minhas coisas direto para Petrópolis. Cheguei em São Paulo à noite. Tínhamos planejado isso. Evitaria que alguém reconhecesse na rua. Tomei o metro e fui direto pro apartamento. Tudo igual. Ainda perguntei pro porteiro se alguém tinha me procurado. Ninguém. Ótimo. Avisei que iria mudar. O caminhão chegaria de manhã.
Tinha que ensacar as coisas, procurei alguns sacos...tinha que comprar uns...desci. 4 e pouco. termino tudo. Cochilo um pouco; desperto com a campanhia do interfone. Era o motorista que me aguardava. Olhei no relógio 8 horas. Desci. Bom dia. Subimos e começamos a descer as malas, os sacos e tudo mais. Terminamos de colocar as coisas no caminhão eram quase 10 horas. Estava suado e cansado. Dei uma última olhada na Kit. Algumas coisas ficariam ali, cama, um armário; fogão. Para isso não tinha importância.
Desci. Fui no caminhão. Fizemos a viagem até Petrópolis em 15 horas. Sentia um frio na barriga. Um desequilíbrio. A minha vida era isso. Talvez agora...era outra chance. Não podia reclamar. Nunca reclamei. Eu assumo minhas responsabilidades. Sabia da ação e reação.
Chegamos em Petrópolis a tarde. Estava muito frio e a garoa fina cobria a cidade. O barulho do caminhão fez Cindy sair para fora. Ficou feliz ao em ver. Também fiquei muito feliz.
Descarregamos as coisas. Foi mais rápido do que carregar. Estava quebrado. Deitei e dormi rapidamente. Sonhei com Cindy. corríamos pela praia. Estava frio mas nós estávamos pelados. Correndo e mergulhando no mar. Quando paramos ela me pega no colo e começa a me amamentar. Fico com nojo daquilo, mas não consigo evitar. Ela tem mais força do que eu e não deixa eu me soltar.
Dormi o dia todo. Acordei no outro dia cedo. Estava um pouco triste. Contei meu sonho para Cindy. ela riu e mandou eu ler Freud. Ficamos em casa arrumando as coisas. Era uma casa grande. Perguntei quem era o dono. Ela não quis falar. Contei os cômodos da casa: 10. Mais uma área de serviço enorme. Lavanderia e um quintal repleto de árvores. Uma garagem que cabiam uns 4 carros tranqüilamente.
Terminamos de arrumar a casa já era tarde. Eu e ela teríamos quarto separados. Era melhor assim. Liguei pra minha mãe. Ela já sabia que eu estava em Petrópolis. Cindy lhe falara. Disse que estava tudo bem. Na verdade acho que ela nunca se preocupou comigo. Sempre suas coisas, seu corpo. Tinha que manter o corpo sempre em forma. Era isso que ela me falava. Senão como iria alimentar a gente. Malhava e se alimentava bem. Seu corpo era sua ferramenta de trabalho. Ela era uma mulher bonita, mesmo agora, mais velha, a beleza não a abandonara.
Cindy perguntou se eu queria conhecer Petrópolis a noite. Propus que ficássemos em casa e trepássemos bastante. Ela aceitou. Então ficamos transando. Era muito bom transar com ela. Sabia das coisas. Eu era seu garotinho. Mesmo agora com quase 20 anos. Sentia se afeto, sua ternura. Será que eu tinha complexo de Édipo? Se tinha também foda-se. Nem ligava. Eu adorava Cindy. era uma mulher gostosona. Bunda grande. Ela ficava em cima de mim rebolando. Eu adorava isso.
Já tinha me acostumado ao clima de Petrópolis. A qualidade de vida era indubitavelmente superior a qualquer outra cidade grande. Cindy já conseguira montar seu antiquário. Vendia de tudo: livros, objetos de artes, móveis antigos; às vezes coisas sem o mínimo valor que ela vendia para algum otário metido a sabichão por um preço de relíquia. Quando isso acontecia ela me olhava e piscava. Eu ria baixinho. Quando o fulano saia, aí sim, ríamos muito e alto.
A vida seguia. Éramos um casal. Estávamos casados. Não saíra com mais nenhuma mulher desde então. Mas a terapia amoral da vida é surpreendente. Ela nos arremata e joga conosco. Quando tudo parece certo a linearidade é rompida bruscamente.
Iria completar 21 anos e Cindy programara uma festa. Susy já estava em nossa casa. Viera do Rio juntamente com outro travesti, sua amiga, Leonora. Não era bonita com Susy. Tinha o rosto retalhado. As bochechas muito grande. Cindy me disse que Leonora estivera presa por tráfico. Era usuária de cocaína.
Um dia antes da festa fui ao mercado comprar as coisas. Já conhecia algumas pessoas na cidade. Passei na casa de uma garota, Michele. Tinha conhecido ela numa loja de roupas. Sua mãe me atendeu. Disse-me que ela estava trabalhando, só estaria em casa a tarde. Convidei-a também para a festa. Fui até a loja e encontro Michele. Oi. Falo sobre a festa. Fala que vai. Fico feliz. Gostava dela, mas ela sabia do meu rolo com Cindy e não tinha me dado nenhuma chance. Fui embora para casa.
No outro dia logo cedo começamos a arrumação. a tarde já estava tudo pronto. Leonora e Susy já estavam chapadas. Não conseguiam nem falar direito. A boca retorcida. Cindy estava linda. Estava com um vestido preto; os cabelos pretos. Do jeito que eu gostava.
As pessoas começaram a aparecer. Michele apareceu bem cedo. Estava muito bonita. Uma blusinha mostrando a barriga e uma calças jeans bem justa delineava seu corpo. Dançamos juntos. Cindy nos olhava com a canto dos olhos. Michele dançava bem. Eu não fazia feio. Também dancei com Cindy, tentando aplacar um pouco seu ciúmes. Ela jurava que não estava com ciúmes, eu só ria. Estava feliz.
Fui até o quintal comer um churrasco. Vi Susy subindo pro quarto. Estava se prostituindo. Aquilo me irritou. Fui pra sala e falei com Cindy. ela disse que não tinha nada a ver a minha irritação. Sai e fui para fora novamente. Num canto do jardim Leonora estava paralisada. Nem se mexia de tão louca que estava. Cindy veio falar comigo. Perguntou se eu estava irritado. Disse que não. Estava tudo bem.
Mais tarde ouvimos um grito vindo lá de cima, do quarto. Era Susy. Subimos para ver o que tinha acontecido. O cara que tinha subido com ela, estava caído, se contorcendo; a boca espumando. Susy chorando desesperadamente. O cara estava tendo uma overdose. Na mesa ao lado a cocaína esparramada.
Cindy me pediu que fechasse a porta e foi até o cara e começou a pressionar seu peito. Forçava com a mão. Quando fui ajudá-la já era tarde demais. O cara estava morto. Desespero total. Descemos e pedimos para as pessoas irem embora. Que desalento. Estava com um ódio daqueles travestis. Viciados de merda. Minha vontade era matar os dois. Despedimo-nos das pessoas. Pedimos desculpas. Nem vi a hora que Michele saio. Olhei pro jardim e vi Leonora tombada. Fui até lá e enchi sua barriga de chutes.
Estava na varanda quando Cindy veio falar comigo. Pediu que eu dormisse fora, só voltasse no outro dia. Compreendi sua preocupação. Peguei minha mochila, coloquei algumas coisas e saí. Dormi numa pensão no centro da cidade. Levantei no outro dia cedinho. Tomei o café oferecido pela pensão. Voltei andando para casa.
Aparentemente estava tudo em ordem. Ainda estava bagunçada, resultado da festa. O chão repleto de latas de cervejas. Não tinha ninguém. Vi um bilhete na geladeira. Era da Cindy. Dizia que tinha ido para a delegacia. Não era para mim ir atrás dela, esperasse em casa. Saí novamente e fui até a casa da Michele. Chamei. Ela veio me atender. Me convidou para entrar. Falei que não precisava. Ficamos ali no quintal. Pedi desculpas pelo acontecido. Ela, muito compreensível, fala que eu não tinha culpa nenhuma. Ficamos conversando. Então a convido para sair. E a Cindy?, pergunta meio desconfiada. Explico para ela que minha relação com a Cindy era de amizade. Morávamos juntos, transávamos de vez em quando, mas não éramos um casal. Ficou pensativa e me disse que aquela era uma situação nova para ela. Entendi. Quando ia me despedir, ela me pergunta se eu já arrumei a casa. Digo que não. Então ela pergunta se não gostaria da sua ajuda. Achei ótimo.
Limpamos tudo. A casa estava uma imundície geral. Vômitos, latas espalhadas, copos quebrados, camisinhas...Aproveitei e mostrei meu quarto para Michele, reforçando o que eu lhe havia dito sobre meu relacionamento com Cindy. Contei-lhe minha história. Ela ficou pasmada. Confie nela. Senti que gostou disso. Éramos mais íntimos agora. Ela também me contou sobre sua vida; viera de outra cidade, Porto Alegre, com sua família. A empresa que seu pai trabalhava tinha se transferido para Petrópolis. Ela não gostava muito daquele lugar. Achava que não tinha muita coisa para se fazer. Combinamos de irmos ao cinema.
Cindy chegou bem tarde. Estava cansada. Falou que teria que depor sobre a morte do cara. Susy tinha ficado presa por tráfico. Ainda tinha bronca passadas. Leonora fora embora. Achava que alguém a tinha chutado; sua barriga estava toda rocha. Contei pra Cindy que Michele estivera comigo, me ajudando a limpar a casa. Maldita hora que falei isso. Começou a falar sem parar. Você não perde tempo mesmo...era isso é muito mais coisas...fiquei muito irritado com aquilo. Lembrei para ela das suas próprias palavras sobre nosso relacionamento. Ficamos discutindo durante um bom tempo. Eu já previa que isso ocorreria. Cindy é ciumenta ao extremo. Essa foi nossa briga mais violenta.
Quando acordei ela já tinha ido pro antiquário. Fiquei pensando nessa nossa relação. Estava tudo bem desde que eu ficasse sob sua tutela. Isso eu não queria. Já havíamos conversado. Ela mesma tinha proposto uma relação aberta. Gostava dela mas não queria ficar como uma espécie de brinquedinho, que ela usa e depois guarda para brincar mais tarde.
Fui pro antiquário. Já cheguei falando. Ela só ouvia. Falei tudo que eu estava pensando. Ela começou a chorar e gritar comigo. Falou que eu só estava usando ela. Jogou tudo na cara: você come e bebe de graça. Chamei ela de mentirosa. Então senti sua mão na minha cara. Era a primeira vez que alguém batia na minha cara. Aquilo me enervou ao máximo. Fiquei cego de raiva. Fui pra cima dela. Quando parei de bater ela estava caída no chão sangrando muito. Levantou e pegou o primeiro objeto que sua mão alcançou: uma estátua. Lançou-a contra minha cabeça. Acertou em cheio. Fiquei tonto. Minhas vistas escureceram; tentei me apoiar em alguma coisa. Não vi nada. Caí. Fiquei alguns segundos esperando. O sangue escorria da minha cabeça...descia pelo lado do rosto e seguia pelo pescoço. Porra! Gritei, o que deu em você caralho? Ela começou a me xingar e me mandou embora. Mas eu tinha o meu orgulho e ele estava muito ferido. Ela não iria se safar assim. Apanhei uma peça de ferro e fui pra cima dela. Ela desviou da primeira tacada, mas a segunda foi fatal. Pegou numa parte do rosto e da cabeça. Caio ensangüentada. Um cliente entrou na loja. Gritei para ele sair fora. Precisava sair dali urgentemente. Fui até o caixa e peguei a grana que tinha lá. Voltei pra casa e enchi minha bolsa com tudo que cabia: livros, roupas, cds...peguei mais dinheiro. Lavei a cabeça, tinha um corte enorme...fiz um curativo meia boca e saí.
Na praça tomei um táxi pro Rio. Ainda estava sangrando, mas era menos. Cheguei na rodoviária do Rio e peguei um ônibus para a Bahia. Minha vida de nômade inescrupuloso estava começando...

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