A certa altura persisto
Insisto e
Inexisto.
A coexistência me faz lembrar dessa menina
Mestiça
A existência acompanhada:
Magnifica
Acordo bem cedo e
Sinto-me como um animal:
Solto: traspassando a cerca
Da mediocridade
Acordo feliz e
Rego minhas plantas:
Deslizes
Solto.
Sou prolixo na vida...
Assim vai a minha existência
Trilhando o agora:
Momento presente

Contragosto


Oi. Por favor, posso usar o banheiro? Perguntei para uma senhora gorda que estava atrás de um balcão de madeira corroída. A cara que a mulher fez para mim foi de assombro, como se perguntando: o que esse maltrapilho está fazendo aqui no meu bar, como ele se atreve a pedir para usar o meu banheiro?, fiquei fitando seus olhos enquanto aguardava a permissão para usar o banheiro daquela ordinária. Vai fazer o que no banheiro?, me perguntou. Olha senhora, estou apertado, respondi meio a contragosto diante daquele pequeno interrogatório que ia se formando. Tá bom, usa e não esquece de puxar a descarga. Andei até o local e entrei num pequeno espaço, procurei o interruptor da luz, não encontrei. O cheiro que exalava do local era terrível, a náusea em mim era tamanha; também pelo fato daquela senhora, proprietária do banheiro, ter me olhado daquela forma, parecia que eu iria mata-la. Realmente deveria ter feito isso. Urinei naquele vaso fedido e saí do cubículo escuro. Puxar a descarga!, tava brincando né?, só poderia estar, como alguém iria colocar a mão naquela porcaria de descarga... Na outra extremidade do balcão estava a senhora, como se estivesse me esperando sair do banheiro. Quando fui agradecer pelo uso da podridão do banheiro, ela num ato insano começou a me xingar. Parei na porta encostada a meio fio e fiquei observando aquele velha louca gritando todos os palavrões do mundo para mim. Mandei ela se fuder e tomar no cu um milhão de vezes. Quando ia me afastando da porta um sujeito com pinta de cafetão atravessou na minha frente e num segundo me deu um soco, realmente não esperava por aquilo, caí no chão, mais de susto do que propriamente o soco, me ergui mais rápido ainda e tentei atravessar a porta barrada por aquele brucutu dos infernos. Olhei em volta e não achei nada que pudesse me defender, nem um pedaço de ferro ou madeira. Fila da puta, pensei, e essa agora. A mulher só gritava, cata ele, pega esse viado...velha do caralho. O maguila veio pra cima de mim com tudo, me desviei de um soco, de um pontapé, esquivei-me de outro soco e consegui sair daquele bar que mais parecia um ringue. Do lado de fora pude perceber que outros caras se juntavam ali na porta, não perdi tempo, voei para o outro lado da rua e segui por uma viela. Por causa de um pedido estúpido para usar o banheiro quase morro. O pensamento na merda toda e aqueles semblantes das pessoas que circulavam pela rua me olhando como se eu fosse um alienígena. Senti algo escorrer pela minha cara, era meu sangue, meu nariz estava sangrando, talvez por isso os olhares. Caminhei por outra rua e entrei numa padaria. Mais uma vez o mesmo olhar de reprovação, tipo o que você tá fazendo aqui seu merda?, pedi para usar o banheiro, o atendente, se fazendo de surdo, fingiu não me perceber, tudo bem, olhei em volta e avistei uma placa indicando o banheiro, passei por um vão entre as cadeiras e uma parede e me enfiei dentro do banheiro. Lavei o rosto, esse banheiro pelo menos é mais limpo, pensei. Na saída outros olhares para mim. Que porra. Não me acanhei diante desses olhares, agradeci o balconista, mesmo ele tendo fingindo não me ver, e ganhei a rua. Mas um pouco antes um grupo de pessoas que tomavam café no balcão comentaram entre si, lá o vai o negão imundo, acho que eles pretendiam falar baixo, mas não tão assim pois quando meus pés tocaram o lado de fora da padaria eu ouvi o pequeno comentário. Virei-me bruscamente para onde eles estavam e fiz um gesto com o dedo. Aí a algazarra foi maior ainda, o que antes não era para mim ter ouvido, agora eles gritavam; comecei a xinga-los também. Um deles caminhou em minha direção e parou mais ou menos perto, não me alterei, fiquei parado esperando o fila da puta, vamos ver até onde ele vem, ficou parado me medindo, perguntei se nunca tinha visto, ele falou que feio assim não. Permaneci parado com olhar fixo nele, mas percebi que outro cara também caminhava em nossas direção, então virei-me e saí andando, na verdade andando bem rápido, quase correndo. Nesse momento os gritos foram mais fortes: corre vagabundo, dorme-sujo. Fui embora, talvez longe dos olhos daquelas pessoas, que de alguma forma se incomodavam com a minha atual situação, algo em mim molestava àquelas pessoas, algo em mim que elas não queriam reconhecer...

dinâmica profunda

Tempos idos eu já tinha chorado, mas hoje não. Ainda me lembro que eu comia feijão com farinha com as mãos e era a coisa mais deliciosa que alguém poderia comer na vida. Minha avó sempre fazia essa comida. Sentávamos na beira da porta com as panelas no colo e nos deliciávamos. A qualquer momento essa lembrança me vem à cabeça, a mente divaga num sentido bom, não há nostalgia barata, daquelas que te magoa, não, isso não. São lembranças boas. Mas o tempo é incontínuo...será?
Tudo bem para você seu eu me levantar agora?, era a voz dela me perguntando, não respondo, então ela se levanta. Continuo ali pensando naquele saboroso feijão que minha avó preparava com amor e carinho. Às vezes era nosso único alimento, mas isso não tinha problema nenhum, pois a gente se alimentava de outras coisas. Uma dinâmica profunda de atenção e respeito. Satisfação completa para uma criança. Continuo deitado e olhando para o infinito; em minha vastidão o som é algo que me toma a vida. Os barulhos e os sonidos são exuberantes. Permaneço imóvel, os olhos procuram algo que não sei se quero encontrar.
Acho que hoje é domingo, pois o relógio não tocou. Penso em levantar mas o corpo não reage ao estímulo do cérebro. Permaneço com os olhos abertos tentando rever o que eu precisava fazer hoje. O barulho que vem da cozinha altera meu estado. As pupilas se dilatam mais e com isso o pensamento toma outra direção. A mente volta. O retorno à vida, a condição mais digna que chamamos de viver. Como fazemos para viver dignamente?
O sol começa a romper as frestas da janela e alguns filetes de raio já marcam a parede. São formas bonitas de luz. Realmente hoje é Domingo. Minha aurora não se fez. A vida não me revelou muita coisa. Sair e passear é uma boa idéia.

mijar

fanzine irracional e emocional