DIVAGAÇÕES FLUTUANTES

Como?
Não ouço a voz no meio daqueles ruídos todos.
Mas ela continua...
Blasfêmia!
Como?, pergunto novamente.
Eis-me sóbrio. A voz já não é audível. Refaço-me da interrogação e viro-me para o outro lado.
O batente da porta fica bem atrás do meu ombro esquerdo.
Fico com os olhos parados, olhando fixamente para uma parede branca. Há, bem acima da minha visão, um quadro afixado, vejo umas letras mas não consigo ler o que está escrito, parecem mais borrões. Viro-me e vejo um Matisse que está do outro lado: Ícaro.
As vozes que vêm de dentro da casa são irreconhecíveis, lembram grunhidos. Bem na minha frente há um corredor, estreito, porém longo, com estantes de aço encostadas e nessas estantes há vários papeis dobrados, livros, fotografias de atores e músicos. Não reparo muito nessas coisas quando termino de passar pelo corredor.
Sinto uma mão no meu ombro. Viro-me e vejo uma mulher de meia idade, olhos decorados com algum desses cosméticos.
Apesar da super concentração de tinta nos olhos isso não a deixa feia; quando percebe que olho fixamente seus olhos ela fica sem graça e me diz algo, mas também suas palavras são algo totalmente ininteligível. Digo um oi sem muito entusiasmo. Sua boca está se mexendo como se estivesse falando, mas não consigo ouvir nada e isso me deixa um pouco atônito. Faço uma menção de sair daquele lugar, mas sua mão segura meu braço. Não tento nenhuma reação e ela, ainda com a mão segurando meu braço, me leva para o outro lado da casa.
Já dentro de uma espécie de ante-sala, nos sentamos num sofá. Ela murmura mais coisas. Também dessa vez não entendo nada; não falo nada, apenas observo o ambiente. Na porta que fica bem em frente ao sofá há algo colado, levanto e vou até lá, está escrito em uma língua que não conheço, mas por algum motivo eu consigo ler. Isso me deixa mais perplexo ainda, tento disfarçar com um meio sorriso. Quando me viro em direção ao sofá, a mulher que estava comigo até aquele instante desaparecerá. Olho em volta, nada. A porta e as paredes começam a ficar transparente e todas as cores derretem como se estivessem sendo aquecida.
Minha cabeça dói muito e não entendo mais nada, apenas fico ali, parado, olhando para o vazio que agora está a casa.
Quando tento andar, a mão, a mesma mão, me segura, mas dessa vez o rosto não é o mesmo, apenas a mão. Ela me sorri, como se já me conhecesse, porém não sorrio. Ela me puxa para dentro de um salão assombrando, que surge como e começa a falar numa língua parecida com o espanhol; mas não é espanhol. Seu rosto agora voltou a ser o mesmo de antes. Fico transtornado e isso, de certa forma, a incomoda. A música eletrônica bate como um martelo na minha cabeça. Não sei mais de nada. Tento lhe perguntar onde estamos, mas não tenho voz.. meu corpo se mexe ao som da música...nunca ouvi essa música antes. As luzes são fortíssimas e me ofuscam os olhos, mas o rosto da mulher se alterna de quando em quando. Como um configuração assombrada, seu rosto transmuda sempre. A luz bate nas suas faces e logo ela é outra. Tento sair dali, mas não posso; minha vontade não é suficiente para tanto. Ela me agarra e me envolve nos seus braços. Sussurra no meu ouvido que agora nós vamos voar. Não acredito muito e solto uma gargalhada muda. Só me dou conta que não estou mais no chão quando não sinto meus pés tocando nada. A sensação é de medo, mas também de contentamento. Uma fluidez entorpecente inigualável. Não sinto com a visão, mas com todo meu corpo. Todas as sensações de bem estar me tomam por inteiro. Não sei mais quem sou e onde estou, apenas vôo, rompendo as barreiras da gravidade. Porém, quando dou por mim, estou sozinho, a mulher se foi. Meu desespero é igual ao meu prazer. Estanco tudo e meu corpo solavanqueia. A descida é sempre mais fácil.

ATOS E PASSAGENS

Tantas coisas que passaram pela minha vida.
Tantos atos:
mudanças...
Tantas coisas que passaram pela minha visão.
Os atos -
minha memória -
intransigente.
Tanta paisagem ausente;
as primazias do
tempo presente.
O olhar como um solavanco da mente.
Minha configuração imaginária.
Dentro das chances
que não obtive.
Meu ser abstrato,
tremo com um esmago
incompreensível ao coração;
essencial, como escrever
sem pensar em nada.
As ausências da minha primavera.
As contingências do meu ser.
Hoje sou um mundo;
acima do meu querer;
acima do meu entender
contudo, minha personalidade
requer certo trato.
Trato com a dor
assim como trato com a alegria.
Sou alegre da maneira de ser.
Sou triste da maneira de não querer.
Sou exagero de verdade.
Porque tudo tem os nomes,
e os nomes são invenções.
Minhas lembranças são os nomes
que dou à elas:
minhas invenções.
Invento tudo e
tudo me inventa.
Cada partícula dessa mente invencionista,
cada disparo de pensamento
é algo de supra capacidade transformatória
dentro de mim.
Sou um hoje,
ausente das primícias familiar.
Como se tudo isso fosse um ato irrestrito,
imaterial, nevoento...
Quaisquer capricho meu,
hoje,
seria um capricho demente.
Sou demente que não busca -
não buscar não é não viver,
é, pelo contrário,
a vida digna,
transparente, alegre.
Sem magoas...
Conhecendo-me, porém,
vejo que não há chances de voltas;
não tardo, nem tampouco nostálgico.
Sentimentos não são nostalgia.
Tudo que é sentido, também é sonhado,
também é pensado.
Sinto com os pensamentos;
sinto com os pormenores
de uma canção.
Tenho frustrações,
Mas também tenho satisfações.
Sou vagabundo e preguiçoso,
confesso,
Isso é minha culpa.
Mas não há culpas
se pensarmos nas vias que a vida nos arremessa.
Fico sem defesas e lúcido;
fico sem palavras e
rouco.
Fico sem esperanças.
Porém, a rebeldia juvenil
não me abandonou
e todo esse crepúsculo
dissipa-se quando abro os olhos
para uma corrente de costumes inebriantes.
Porém, minha parte negra
toca-me profundamente;
com ela prossigo no
maremoto e sinto-me
como uma criança descobrindo
novas brincadeiras.













quando eu me distraí
extra-ido
quando solicitei a benção
já não fui outro
outro ontem
quando não fui eu
somente eu
andei...
percorri meu ínterim
quando fui ontem
outro distraído
outro fantasiado
quando fui eu
não fui outro
porém...


quando chega o ardor da
desesperança
digo adeus
quando chega o ardor da
noite
digo olá
carrego a utopia
como quem carrega
uma criança
embalada
meus sonhos
quando chega o ardor
do cotidiano
rompo
como quem saí da esperança
rompo
como quem entra na despedida
o ardor do amor
quando chega o ardor
do encorajamento
como quem...
quixotesco
luta em solução contínua
busco o encorajamento
paz é a desigualdade
do ser humano através...
expectativa
jamais assumida
jamais assentida
consumida
quando chega o ardor da
esperança
caminho os há
porém não agora
caminho os há
entretanto
somente já.





Qual a qualidade de vida que você deseja?
Morar?
O que significa isso?
Mostro minha casa para vocês...
e faço disso minha ambição para renovar
constantemente.
Saio fora de São Paulo
Imediatamente;
Sou nômade e sei
disso.
O meu primórdio
primitivo(?)
Minha melhor forma de
viver...
sem acúmulos,
não acumulo e
não preciso de nada.
Quanto menos melhor,
a viagem será mais fácil.
Acúmulos só de amigos.
Digo isso para mim mesmo
numa espécie de transe.
Subjetivismo...
Correr:
Sempre corri.
Não como um atleta,
mas num sentido
de ação. As pernas em ação.
Movimento.
Minha mãe e meu pai
juntamente com meu avô
e minha avó
saíram do lugar de origem (?)
e vieram para São Paulo.
Quero sair de São Paulo,
fazer esse caminho inverso
como no filme Exílios,
em que um filho de Argelino,
residente em Paris
deixa essa tão
amada e hipócrita cidade
para retomar e retornar
às suas origens.
Em busca de lembranças.
Que filme magnifico. Lindo.
Quero retornar,
quero caminhar
pelo contrário.
Voltar; submeter minha
urbanidade a provas.
Vou me adaptar?
Talvez nem queira essa adaptação;
posso me locomover,
minhas pernas farão a locomoção.
Só isso que preciso: minhas pernas.
(esse sentido das pernas é metafórico,
pois posso perde-las e continuar...)
Me sinto bem nesse instante;
Pois bem, ingressa-rei
nessa atmosfera e farei
da minha vida o que eu
desejar fazer.
Isso será (é) minha liberdade.

O conhecimento antecipado de coisa nenhuma que serei

O céu azul revelava toda a intensidade louca que a atmosfera persistente teimava em subjugar em nós, anônimos, a fragilidade marcante. Muito otimista prossigo com os olhos anuviados pela fumaça. Faço um giro de 45 graus e sucumbo pela rota que jamais pudesse ter imaginado. Ah, essa pobreza pueril; fragmentos da súbita lembrança de infância: quão pobres fomos. Carrego, sem querer, lembranças juvenis. Meu peito retraí num suspiro comovente.
Aquilo tudo que meus olhos não vêem, sinto de outra maneira. O aterrorizante é saber é saber que nunca isso mudará. A paisagem da alma é a pobre sintonia do corpo. Os pés de outro parecem que circulam por aqui. Então me deixo conduzir por essas estradas sinuosas e não quero transparecer lúcido.
As casas que ficam na solidão do mundo...por um momento eu penso em atingir o embrião dessa neurose; tarde demais para os sentimentos. Aguço a aurora com a visão coberta por fuligem. O calor intensifica a condição humana que breve me abandonará.
Não há vegetação nessas terras. Não há um mínimo de vegetação rasteira e agora são meus pés, doentios pés, que circulam nessa desordem. Também pudera perder-me aqui, são círculos e semicírculos abrangentes. Formados por opacos monturos de resíduos quaisquer.
Persistente, a figura solitária do homem que sou, alcança a mais tensa das visões: paralelepípedos isolados e rompidos como se uma força descomunal os tivesse atingidos. Mas já não sei o que é mais verdade. Meus olhos me enganam.
Sinto a descarga elétrica da mente, subjacente, atravessando o caminho...há aberturas fugazes...
Não tenho mais saudades. Nada lembro. A tortura física da não lembrança. Foi isso que vi daquela vez. A forma transfigura sempre.
Confuso, vou soletrando para mim mesmo as letras de qualquer alfabeto. Como se não houvesse um elo me unindo amais nada.
Mas as correntes civilizatórias ainda me marcam fortemente.
Faço uma auto-análise, reflito nas alternativas que tenho daqui por diante.
Quase sou livre.
O cérebro alterna essas consoantes, quase autoritárias, que inundam a visão, subjetiva, por um tempo,
relapsa por outro.
O tempo que demoro para circular é o mesmo tempo que levaria para viver e morrer. As difusões da nuance da memória.
Eterno divagar da persistência humana.
A teimosia em destruir, arruinar destroçar...
O incorrigível ato de querer.
Entediante ato de procurar por razões desconexas com nós mesmos.
Nossa existência nada mais é do que a fugacidade de um sopro.
Não querer ser nada.
Não desejar nada segundo a visão budista.
Mas mantendo a tradição homérica. Cultuar as coisas que não sabemos: transgressão.
Nesse instante o soar da viola; o chá está sendo preparado: as folhas: doce erva. Erva-doces. Capim santo. Erva cidreira. Cheiro doce. Esplendor da alegria.
A música: Saudade da Minha Terra. Uma reviravolta de utopia. Sou favorável a paixões, porém nem tanto. Pondero!
Nostalgia Utópica, que saudades da minha terra, que nem sei qual é.
Num intervalo de segundos.
Engraçado que minha vida tenha se perdido;
Porém, é ou está sendo de extrema importância esses acontecimentos. Não creio em destino, são as nossas escolhas.
Tudo é escolha; de uma forma ou de outra, mesmo inconscientemente estamos escolhendo.
Mas as escolhas não são segmentadas, elas são múltiplas,
temos várias alternativas, várias tentativas,
tentar é apenas jogar uma vez: a primeira tentativa.
Tente a segunda, a terceira ou quantas vezes tiver vontade.
Nunca pare de tentar, mesmo estando num estado de vida considerado
bom. Não pare. Não pare nunca.
Há outros modos de vida (não vida!).
Agora mesmo há outras pessoas vivendo diferente.
Então não há nada a perder, nada se perde, não é mesmo?
Transformação é a essência que faz o viver!

partida


Contemplo a algazarra da vida
Contente por sentir os prazeres
Reluzente e recrudescente
Lanço o laçarote pela fresta
Única,
Não aos pensamentos
Único
Me faço soberbo
Parto
Contemplo a vida
Parto
E contemplo as reluzentes
Algazarras
Parto.
Confusões impertinentes na minha memória
Tudo solto a espera
De uma aparente ordem
Que nunca chegará
As visões que
A mente toma
Determina
A incandescência desta memória
A antagonia dessa vida...
Paro e penso
Nas possibilidades
Que tenho.
Sou tão inúmero
Que me detenho
Na placidez
Da inexatidão.

mijar

fanzine irracional e emocional