DESTITUIÇÃO

Demais!
Essa palavra o atravessou tão profundamente que a surpresa fora inevitável naquele instante. Heitor, naquela manhã tinha saído - como de costume - para o serviço, às 8. Nas ruas algumas pessoas iam e viam no mesmo ritmo frenético de sempre, alguns olhares, alguns bom dia, alguns esbarrões...assim continuava tudo na mais perfeita ordem.
Nada extraordinário acontecimento de um dia pro outro, as casas continuavam no mesmo lugar, os comércios abririam as portas no mesmo horário de sempre; Heitor reparava que essas vidas mantinham uma rotina, até certo ponto amigável.
A sua caminhada até o serviço era, também, uma rotina, o mesmo caminho quase sempre. Nessa hora matinal suas ilusões eram quase zero.
Mas aquela palavra o tinha deixando desconcertado, pensava nisso o tempo todo – da sua casa até seu serviço. Nunca uma frase, ou, nesse caso, apenas uma palavra, o tinha marcado tanto, ficava martelando sempre, pensando naquilo. Por que demais? O que de concreto havia numa simples palavra?
Heitor não se contentava com essa palavra: ‘DEMAIS", demais o que? A vida?, a situação do dia-a-dia?, o jogo do dia anterior? Só perguntas na cabeça de Heitor, perguntas sem repostas ou, pra ser menos pessimista, nenhuma noção de resposta; algo peculiar para um ser humano. Heitor não vislumbrava mais nada, apenas caminhando com a cabeça naquilo que outrora ouvira de não se sabe quem, uma palavra marcando o compasso de uma caminhada de sua casa até ser serviço.
Mas ao chegar no seu serviço, a mesma rotina também aqui está exposta. Heitor contrapondo aquela situação, não chega a entrar em seu local de trabalho, faz uma coisa até então impensável para ele: um sujeito pacato, cheio de regras para viver, que até aquele momento nunca tinha violado normas do trabalho; Heitor volta pelo mesmo lugar que veio, volta seguindo a mesma ordem, tentando repetir os mesmos passos. Os pensamentos sempre voltados para aquela palavra que nesse momento já era amaldiçoada por Heitor.
Quase a mesma situação, algumas caras diferentes esbarram em Heitor, pessoas que estão indo ao trabalho, ou as compras ou outra qualquer coisa, mas são pessoas silenciosas, quase apagadas. Heitor procura, nessa transição de volta - como num realismo conto Borgiano, resgatar as memórias que tentaram se sobrepor às enfadonhas pistas com carros.
Missão ultra-inoportuna para Heitor que já esmagado, numa sensação de acabado revê seus passos ao inverso, numa imensidão caótica a procura de algo que se perdeu nas dimensões das ruas. Quando se dá por si, já é tarde, percebe a ingratidão da permanência de sobreviver, sua teoria resvala a qualquer inutilidade e olha mais uma vez para tudo, isso se dá num momento tão íntimo que ninguém o percebe. Heitor está só.

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