Os olhos. A trilha


Atravessei a rua e segui andando como se meus pés não tocassem o solo. O calor derretia meus pensamentos e sobrepujava todos os meus sonhos daquele instante. Nada mais era igual. O asfalto agora cobria tudo e o calor que emanava dele era algo surreal. As pessoas passavam por mim sem ao menos me enxergar; eu era um espectro. A visão encoberta pela carapuça irremediável da sordidez. O cotidiano roendo o que sobrou da esperança de um país denominado do futuro. Esse nunca chegará. Saio do meio do trânsito e procuro uma sombra para caminhar. Não há. Não há nada em que eu possa me esconder da mesquinhez humana. Ontem mesmo caí num abismo com minhas leituras. Só me restou a arte. Atrevo-me a pensar em ir ao cinema mais tarde. Num bar de esquina as pessoas bebem a esperança e a alegria num só gole. A morena rouba a cena. Todos os olhos são para ela. Também não é para menos. Suas roupas, ou a ausência dessas, são estratégicas. Saia curtíssima mostrando suas coxas saborosas e uma bunda arrebitada saltitante. Os olhos acompanham o ritmo frenético dos quadris da beldade. O sinônimo de crueldade é a esperança, não vivemos sem ambas. A mesma esperança derivada de esperar; sempre esperando que algo aconteça. Confesso para quem quiser ouvir: não espero nada. Nunca esperei. Sempre andei numa corda bamba. Num determinado momento estava na lama, no outro no paraíso. Sempre foi assim. A não linearidade absoluta da minha vida inexistente. A não solução para todos os meus problemas que eu mesmo arranjo e saio e assim continuo a trilha da desestruturação.

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