Quebrante



Um destes quebrantes era mais que plausível para mim naquela hora inimaginável.
Carlos. Meu nome é proferido em tom de voz grave.
Carlos. Novamente chamam por meu nome, só que agora é uma voz mais aguda.
Dói o ouvido de tão aguda que é a voz.
Carlos. Mais uma vez a mesma voz aguda. Então depois de um tempo, respondo: que é.
Nada não, só para ver se você está vivo mesmo.
Estando eu vivo, permaneço imóvel na mesma posição em que me encontro. Olho para cima e vejo uma aranha fazendo uma teia. É muito fina, quase imperceptível, mas o alcance da minha visão me surpreende. Consigo detalhar cada linha da teia. Fico arrepiado em pensar que aquele animal pode me matar em segundos.
Carlos, novamente a voz pronuncia meu nome. Fico ouvindo. Cuidado com a queda, me diz a voz.
A palavra queda me diz muito. A queda de todos os impérios ao ínfimo detalhe. Falo isso não por um simples retardo da memória e a vaga lembrança alvoroçada por confusões, mas por outro motivo qualquer. Quero sair daqui, grito para as paredes e elas respondem que se eu sair dali agora nunca mais serei o mesmo. A mente busca algo de conforto. Detalhes marcantes de uma vida que na mediocridade da instância coletiva se perde; a voz que se cala, a promiscuidade absoluta das relações. Falsidades humanas.
Não estava incólume de nada. Apenas as palavras brotavam como água em mina. Apenas isso. O tempero certo para a lembrança imprópria.

Lendo Piva
E cagando para um
Mundo que não passa
De uma grande merda mesmo
Submerso no mau pensamento
Profundo:
Meu cagar e meus pensamentos
Crústio
Ah!
Essa buceta na minha cara
Gozo com a devoção de um alpinista
Escalo suas coxas
Percurso satisfatório
De pé de soterrando...
Sua pele
Puxo teus cabelos crespos
Meu pau é teu
A música
Complementando
Os espaços:
Latino:
Salsa
Rasga a caverna
Son
Rasga a mediocridade
Estou num forno
Sob o cadafalso
Mas não te ferirei
Alvoroço da minha vida
Destroços escondidos
No mais intrigante
Sonho
Com você.



DESTITUIÇÃO

Demais!
Essa palavra o atravessou tão profundamente que a surpresa fora inevitável naquele instante. Heitor, naquela manhã tinha saído - como de costume - para o serviço, às 8. Nas ruas algumas pessoas iam e viam no mesmo ritmo frenético de sempre, alguns olhares, alguns bom dia, alguns esbarrões...assim continuava tudo na mais perfeita ordem.
Nada extraordinário acontecimento de um dia pro outro, as casas continuavam no mesmo lugar, os comércios abririam as portas no mesmo horário de sempre; Heitor reparava que essas vidas mantinham uma rotina, até certo ponto amigável.
A sua caminhada até o serviço era, também, uma rotina, o mesmo caminho quase sempre. Nessa hora matinal suas ilusões eram quase zero.
Mas aquela palavra o tinha deixando desconcertado, pensava nisso o tempo todo – da sua casa até seu serviço. Nunca uma frase, ou, nesse caso, apenas uma palavra, o tinha marcado tanto, ficava martelando sempre, pensando naquilo. Por que demais? O que de concreto havia numa simples palavra?
Heitor não se contentava com essa palavra: ‘DEMAIS", demais o que? A vida?, a situação do dia-a-dia?, o jogo do dia anterior? Só perguntas na cabeça de Heitor, perguntas sem repostas ou, pra ser menos pessimista, nenhuma noção de resposta; algo peculiar para um ser humano. Heitor não vislumbrava mais nada, apenas caminhando com a cabeça naquilo que outrora ouvira de não se sabe quem, uma palavra marcando o compasso de uma caminhada de sua casa até ser serviço.
Mas ao chegar no seu serviço, a mesma rotina também aqui está exposta. Heitor contrapondo aquela situação, não chega a entrar em seu local de trabalho, faz uma coisa até então impensável para ele: um sujeito pacato, cheio de regras para viver, que até aquele momento nunca tinha violado normas do trabalho; Heitor volta pelo mesmo lugar que veio, volta seguindo a mesma ordem, tentando repetir os mesmos passos. Os pensamentos sempre voltados para aquela palavra que nesse momento já era amaldiçoada por Heitor.
Quase a mesma situação, algumas caras diferentes esbarram em Heitor, pessoas que estão indo ao trabalho, ou as compras ou outra qualquer coisa, mas são pessoas silenciosas, quase apagadas. Heitor procura, nessa transição de volta - como num realismo conto Borgiano, resgatar as memórias que tentaram se sobrepor às enfadonhas pistas com carros.
Missão ultra-inoportuna para Heitor que já esmagado, numa sensação de acabado revê seus passos ao inverso, numa imensidão caótica a procura de algo que se perdeu nas dimensões das ruas. Quando se dá por si, já é tarde, percebe a ingratidão da permanência de sobreviver, sua teoria resvala a qualquer inutilidade e olha mais uma vez para tudo, isso se dá num momento tão íntimo que ninguém o percebe. Heitor está só.

Quando senti o vento...


Quando senti o vento atravessar meu corpo fui outro
com certeza,
das mais absolutas e
incertas certezas.
Sem contrariar meu instinto
fui ao encontro do vento.
Andando à toa...
pedalando à toa e sentindo a brisa no rosto.
Pararia o tempo.
Parei o tempo.
A ruela (o caminho, a trilha)
repleta de árvores.
Passava por entre elas e continuava a pedalar.
Sobre minha bicicleta,
(eu e ela somos um só).
O ínterim não existe.
O momento presente
(sendo meu momento)
a particularidade de cada movimento
e eu...
não existo nesse tempo,
transformo o ambiente
no meu próprio ser.
Sou o todo,
Cada partícula das células.
Observo e sou observado pelo todo.
Continuo a pedalar e paro...
movimentos impensados.
A luz da estrela
potencializando os arredores
por entre os galhos
sombreando a água.
Pequenos mamíferos saboreando
o entardecer.
Passeando por entre os bosques;
Thoreau...
Transformo-me em um ser alado
e parto.
No entendimento repleto
que a palavra possa parecer,
partir...
Alado e inanimado.
Tempo presente,
passado...
futuro.
Eis me sob a incansável
habilidade da transformação.

Os olhos. A trilha


Atravessei a rua e segui andando como se meus pés não tocassem o solo. O calor derretia meus pensamentos e sobrepujava todos os meus sonhos daquele instante. Nada mais era igual. O asfalto agora cobria tudo e o calor que emanava dele era algo surreal. As pessoas passavam por mim sem ao menos me enxergar; eu era um espectro. A visão encoberta pela carapuça irremediável da sordidez. O cotidiano roendo o que sobrou da esperança de um país denominado do futuro. Esse nunca chegará. Saio do meio do trânsito e procuro uma sombra para caminhar. Não há. Não há nada em que eu possa me esconder da mesquinhez humana. Ontem mesmo caí num abismo com minhas leituras. Só me restou a arte. Atrevo-me a pensar em ir ao cinema mais tarde. Num bar de esquina as pessoas bebem a esperança e a alegria num só gole. A morena rouba a cena. Todos os olhos são para ela. Também não é para menos. Suas roupas, ou a ausência dessas, são estratégicas. Saia curtíssima mostrando suas coxas saborosas e uma bunda arrebitada saltitante. Os olhos acompanham o ritmo frenético dos quadris da beldade. O sinônimo de crueldade é a esperança, não vivemos sem ambas. A mesma esperança derivada de esperar; sempre esperando que algo aconteça. Confesso para quem quiser ouvir: não espero nada. Nunca esperei. Sempre andei numa corda bamba. Num determinado momento estava na lama, no outro no paraíso. Sempre foi assim. A não linearidade absoluta da minha vida inexistente. A não solução para todos os meus problemas que eu mesmo arranjo e saio e assim continuo a trilha da desestruturação.

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