O TEMPO É MEMÓRIA

All Blue...Miles Davis suave e profundo. Mais um pouco e Billie Holiday energizava a substância da pequena vivência. A mulher negra barbarizada pela descontinuidade do tempo. Esse mesmo tempo da memória. Pensando e escrevendo memórias. Sim, sou outro; mas o que são pensamentos num instante qualquer?
Se o tempo é memória, ando no tempo da memória. Deixo-me conduzir por abstrações passageiras. Não sou quem pensa tudo; vivo tudo. A vida de alguém que bem poderia ser também a minha. É isso que penso nesse instante de memória. Enquanto preparo algo para tomar: café.
Quem pensa sabe que já perdeu algum tempo. Quem vive, também perde esse tempo, mas existiu nesse período. Enquanto tomo meu café divago sobre esse pensamento. A vida dá passagem para a equação da memória. Hoje penso que queria estar em outro local.
Esse período de quem viveu é curto, como o de quem pensou, sim, mas de outra forma, outras substâncias...tal modo é sintético, quase cru...quase como debruçar os olhos sobre uma planta e de primeiro momento notar e sentir a beleza ali existente.
O tempo, que é subjetivo, é agora a memória. A memória contida nas coisas. Tomo meu café e saio de casa não querendo. Ando pelas ruas não pensando, minhas pernas andam...o mesmo ato de caminhar que conduziram Brás Cubas. Vou à algum lugar. Sempre vamos. A memória que está nas coisas é a nossa memória: uma caneta que ganhamos de amigos e depois escrevemos com ela sobre um bloco de papel que também ganhamos. Aí a memória - que está contida no tempo - retém algo: a história daquilo. Espaço memória.
A suavidade desse tempo; a substância desse tempo. Caminho e penso em tudo isso. Caminho e sintonizo a memória no espaço (in)condicionado. Tudo é memória! Tudo é história...paranóia.
O doce feito em casa, da memória da vida, da história da vida...
Como caminhar no tempo é subjetivo. Como qualquer ação nossa, como tudo de um olhar, um sorriso...
Podemos pensar em coisas (im)prováveis: encontro de Jimi Hendrix com Ivan Vilela. Enquanto caminho rumo a algum lugar penso nesse encontro. Mas eu já vi um encontro (im)provável: Paulo Freire com Miles Davis. Da primeira vez que vi esse encontro não entendi muito bem. Fiz um grande esforço para observar com os ouvidos àquilo tudo: muito diferente. Saí do encontro um pouco perplexo. Da segunda vez do encontro deixei o ouvido mais atento, aí consegui ver aquele encontro, como ele era realmente sensacional, algo de extrema sutileza. Agora Paulo Freire e Miles Davis eram amigos. Andavam juntos pelas ruas da memória.
O tempo de memória. Memória de tempo: do tempo. O tempo como memória.
A música que ouvimos...recorrer à memória através de uma música. A companhia da essência numa nota musical.
Tempo que tudo arremata. Caminhar até determinado local é uma viagem na expansão.

mijar

fanzine irracional e emocional