FRAGMENTOS DA MEMÓRIA

A infância disfarçada de plenitude.

Simples.

- Vai moleque, sai daqui, deixa eu fazer a comida.
- Vó, me deixa ir na linha de trem.
- Que?, esse menino é doido?!, onde já se viu, brincar na linha de trem. Não!, vai jogar bola, bolinha de gude...anda, vai...
- To indo...

Andar pela linha do trem, sensação de liberdade, ao mesmo tempo desafiando aquele perigo iminente.

Já tinha visto muitas pessoas mortas ali, naquela parte. Sua escola ficava ali perto, tinha que atravessar a linha todos os dias bem cedinho. Às vezes sua Vó o levava, outras ia com algum colega, outras ia sozinho mesmo, mentia prá avó nessas vezes, dizia para ela que ia sempre com um colega; mas o que gostava mesmo era ficar correndo em cima das linhas. Apostava com os amigos quem conseguiria permanecer mais tempo em cima dos trilhos.

Sempre maloqueiro, sempre na rua; não haveria outro lugar mais propicio para se passar uma infância do que aquele lugar cheio de matos. O jogo de futebol era uma das melhores partes, a junção dos moleques era algo inacreditável, todos se uniam em prol desta brincadeira, uns pegavam enxadas, outros iam arrancando o mato do campinho (na verdade um terreno baldio), logo se tinha formado um campo de futebol, as traves eram de madeiras arrancadas de alguma cerca de casa, a bola era uma de plástico mesmo, ou se havia dinheiro (coisa rara), fazia-se uma vaquinha e compravam uma bola de capotão.

- Vó, dá dinheiro pra comprar aquela revista que tá lá na banca.

Que revista?

Uma que fala sobre a vida dos bichos.

Pede pro seu Avô. É ele quem vive te falando essas coisas.

As unhas sujas. Professora sempre pedia pra ver as unhas. Relaxado!

Acordar de manhã já jogando bolinha de gude. Alguns amigos iam chamar logo cedo, nem tomava café direito.

Depois eu como

Vem logo menino, deixa essas bolinhas aí!

Mas Vó, to sem fome...

Depois você vai jogar.
Choro.

Ganhou uma bicicleta. Melhor presente do mundo. Ninguém o via mais, sumiu. Só voltava a noite, todo sujo, às vezes machucado, outras rasgado, sua Avó nem se preocupava mais.

Aquele cheiro de feijão sendo cozido. Sua Avó ali, em pé na cozinha, sempre a mesma hora, sempre ouvindo a mesma rádio AM, tocando Chalana. Sensação mais maravilhosa do mundo.

Não poderia querer mais nada daquela vida, sem ambições capitais, sem preocupações existenciais.
Só acordar, ir pra escola – coisa que fazia meio obrigado - , voltar correndo para andar de bicicleta, jogar bola, rodar pião e outras formas de brincadeiras que a turma inventasse.

Dormia cedo, não via muita tv, de vez em quando um livro, ou trabalho de escola, momento raro: parado.

O Avô o ajudava nesses deveres, tinha mais experiência nessa área, a Avó não tinha estudado, sua ajuda vinha de outras formas.

Um comentário:

Anônimo disse...

lembranças da infância que jamais será esquecida. será repetida? indagações...

mijar

fanzine irracional e emocional