BH - viagem quase pitoresca - jonilson

Tudo combinado então. Dia 22. Tá bom. Você pega a gente no terminal Cachoerinha. Oi Léo, e aí. Está descarregando o caminhão. Beleza. Sei, umas 11 da noite no terminal. Ótimo.


Leonardo foi me apresentado pelo Alberto; a primeira vez que nos vimos foi no SESC Pompéia, estávamos na exposição e depois vimos a peça Muros, encenado pelo grupo XPTO. Vimos a peça e depois tomamos umas cervas e fumamos um baseado num bar ali perto do SESC mesmo. Estávamos em uma turma de amigos, eu, minha namorada/esposa Michele, Eliana, Elisângela, Renato, o Alberto mais o Léo (que nesse momento já tinha virado Mineiro). Bem, dali fomos até uma danceteria chamada Sarajevo, na Augusta.

A coisa inusitada já iria acontecer, O Mineiro tava com a f-1000 do trampo dele, então resolvemos ir todos ali mesmo. Esse carro era uma caminhãozinho baú, então foram 3 pessoas na frente e o resto atrás.


Naquele momento tudo era diversão. Mesmo as mais saltitantes alavancadas que o baú dava; mesmo não vendo nada ali de trás e imaginando onde estavámos, mesmo assim foi tudo muito loco. Aliás, a diversão vem dos momentos menos arrumados, daqueles momentos que não se espera muito; sem criar muita expectativa. Isso é bom. No Sarajevo melhor ainda. Músicas boas e um clima agradável. Tudo certinho. Além de tudo isso ainda podemos ver e ouvir um citarista. Que legal isso!, foi a primeira vez que vi um músico tocar cítara. E foi muito bom.


Depois disso fiquei um tempo sem ver o Leonardo. Até que organizamos um sarau na casa da Elisângela. Não apareceu muita gente, estávamos, além da Elisângela e o Erique, donos da casa, eu e a Michele, Alberto, o Mineiro e o Patrick, outro camarada que trabalha na mesma firma do Mineiro. Nesse dia, num Sábado chuvoso, ficamos lendo poesia e fumando maconha até umas 4 da madrugada.


Depois fomos nos rever só no dia da viagem mesmo. Chegamos no terminal Cachoerinha depois da meia-noite. O Mineiro estava já nos esperando lá, todo aflito com medo de alguém roubar o carro. Na verdade acho que ele já estava bem chapado e bateu a nóia...mas isso nem vem ao caso.


Michele ligou pro celular dele, não atendia. Depois ligamos pro orelhão de onde havia saído a ligação. Olha lá ele, falei pra Michele. Lá vem ele. Nooosa senhora só, já tava com medo de acontecer alguma coisa nesse lugar, deixei o carro ali...muito escuro. E aí Leonardo, calma cara...olha ces vão dormir lá no alojamento, tem problema não né? Lógico que não. Então, o caminhão que a gente ia quebrou, trabalhei pra caramba hoje, tive que descarregar tudo e colocar nesse carro aqui. A gente vai nesse carro mesmo? É ué, tem outro não...essa coisa veia mesmo, tá lotadim.


Chegamos. Tira as coisas aí. Pode guardar a mochila aqui dentro mesmo. E aí Patrick. Tudo bom cara? Opa e aí mano, beleza? Ces vão dormir aqui, umas 3 horas a gente sai, tá bom? Bele.
Porra Leonardo que merda é essa, só?. Esses foram algumas palavras que ouvimos no decorrer do nosso sono, que ia da meia-noite até umas 2 e pouco...nesse ínterim o Léo não sossegava muito, acendia a luz, etc. colocamos o celular pra despertar as 2 e pouco, mas nem foi preciso e a merda do celular nem despertou mesmo, porque erramos ao colocar a horas, em vez de p.m., pusemos a.m ou foi o contrário, nem sei mais..


Tudo certo, levantamos com o barulho do Léo, parecia que o cara tinha cheirado toda o pó do mundo, tava alucinado, não parava...puta que pariu. Vamos, vamos...Porra Léo, que pressa da porra, era o Patrick tentando acordar e já em pé sem a mínima disposição para isso. Eu e a Michele também já tínhamos levantado, eu muito mais disposto do que ela. Escovamos os dentes e lavamos o rosto. Pronto.


Pelo que alguns companheiros do Mineiro falaram ele não é muito organizado não. Parece que o cara tem um par de roupas no depósito onde eles guardam os doces e que também serve de alojamento para eles, e mesmo assim essas roupas ficam jogadas pelo depósito inteiro. Mas nós tivemos a grande chance de presenciar a desorganização do Mineiro e que visão tivemos. Se alguém contasse talvez não acreditaríamos. Foi assim: estavámos arrumando nossas mochilas na perua. Essa perua ia ser dirigida pelo Patrick, pois como o caminhão havia quebrado, os doces a serem devolvidos para a fábrica de Minas foram redistribuídos na f-1000 e na Kombi. Só que na F-1000 não tinha lugar pra mais nada. Então fomos nós arrumar as coisas na Kombi mesmo. Pois bem, depois que colocamos as mochilas lá, o Leonardo chega com uma escova de dentes na mão e não vendo um lugar mais adequado para ela, a joga dentro da porta malas da Kombi, ali mesmo, sem proteção nem nada. "Ah, essa escova vai aqui mesmo", essa foi mais ou menos a frase dele.


Tudo pronto para a partida. Nos ajeitamos na F-1000. Muita espaçosa por sinal. Logo a Michele dormiu, aliás a viagem quase toda ela foi dormindo. Eu não, confesso que às vezes me dava uma vontade de fechar os olhos e dormir um pouco, mas a conversa com o Leonardo estava muito animada. Não queria perder aquilo e também gosto de observar as paisagens, ficar olhando pela janela enquanto vamos rompendo fronteiras imaginárias. É interessante como vamos sendo modificados a cada instante, cada lugar é um ponto de visão que alcançamos e nesse ponto nossa vida passa, deixamos para trás outras coisas, outros amigos, outros pontos de vista e vamos em direção a algo que julgamos novo. Isso, de certa forma, é uma renovação e além de tudo estamos nos deslocando fisicamente de um lugar pra outro desconhecido; pegar estrada é prazeroso, dirigir não sei, não dirijo, mas parece que há uma onda de prazer ali. Você sente a vida pulsando. A questão nômade te invade, o "primitivo" somos nós. A viagem tem que ser observada pelo viajante, se não, nada feito, e isso fez com que meus olhos permanecessem abertos durante todo o trajeto que fizemos.


Todo o tempo conversávamos. Sobre tudo, desde as promessas do Léo (que depois não se cumpriram – mas nós entendemos os motivos) até questões metafísicas. No outro carro, na Kombi, Patrick vinha solitário, cortando a noite da madrugada que estava findando. Eu olhando para os lados. Michele caindo em cima dos meus ombros. A pista passando por nós. Você dirige Jonilson?, perguntou-me num tom de toma esse volante aí cara. Não, só tirei a carta, comprada por sinal. Dirijo porra nenhuma. Uai só. É fácil demais, quer tentar? Tá louco mano! Não, quando tiver uma pista reta você pega. Meu, ce tá louco Léo, não sei dirigir não cara. E a Michele manja? Idem a mim, porra nenhuma. Nesse momento Patrick, num sinal com o carro, coisa que quem está na estrada reconhece muito facilmente, pede para dar uma parada. E aí coisinha muito sono?, pergunto para Michele. Nossa meu, to morrendo. Léo volta. Que ele queria? Nada não, só acender um baseado, cês querem? Não meu, se não desmaio aqui. Eu também não, deixa pra mais tarde. Agora era a Michele falando. Nós também tínhamos levado nossa cota de maconha para fumar em Minas. Mas naquele instante nenhum de nós três fumamos.


Não creio que eles tenham parado para fumar um baseado, pensei comigo isso e depois esqueci..
Bom, continuamos. A Michele só encostou a cabeça e apagou novamente. Eu e o Léo, continuamos nossa tão diversificada conversa. Dessa vez estávamos falando sobre sua namorada. Ele tava confiante de que iria passar o ano novo viajando com ela pra Bahia. Mas depois, saberíamos que nada disso ocorreria. Léo tinha planejado ficar uma semana com ela, já que tinha acertado ficar duas semanas de folga. Legal né cara? Viajar é bom demais só. Dizia ele com aquele sotaque inegável de mineiro. Viajar é uma coisa fantástica mesmo. Romper caminhos, conhecer lugares e pessoas diferentes. Vislumbrar novas paisagens. Isso me torna um pouco menos intransigente com a vida.


A fome já tava batendo. Acho que já eram umas 4 da manhã. A luz começava a ficar mais clara e um pouco amarela com rosa, uma cor muito bonita mesmo. Os faróis dos carros cortavam as nuances das cores. De vez em quando um trouxa vinha com farol alto. Nossa isso realmente cega né Léo? É foda véi, dirigir é gostoso mas tem que ficar super atento, Léo me respondia num tom de aula. E aí cara, vamos parar onde? Perguntei já com a barriga pedindo algo. Logo ali, é um posto simples, mas barato. Beleza, um café ia bem agora.


Chegamos nesse tal posto simples e barato. Realmente era simples mesmo, mas até aí tudo bem, o importante é ser barato. Descemos. Patrick tava com uma cara péssima. Aliás todos nós estavámos com cara amassada. E aí Patrick? O, e aí? Fui até o banheiro, mijei e lavei o rosto para disfarçar o amassado da pele. Pedi um café com pão de queijo. Léo ia nos mostrando os produtos que ele vendia. Olha isso aqui, eu que entrego aqui. Hum, doces. São bons? Uai, bom demais! Voltamos pro carro.
Bibibibibibibi, a buzina da F-1000 dispara, Leonardo fica louco. Rompemos uma divisão: São Paulo/Minas, é a divisória que deixa o Estado de São Paulo para trás. Já estamos na terra do Léo. Camanducaia para ser mais exato. Que coisa incrível, que alegria exuberante. Patrick também buzina, Léo acena com a mão para ele. Urruuu...toda vez cruzo essa risca me dá emoção!, tamo mais perto de casa. Léo era pura emoção nesse instante. Algo inexplicável. A razão perde sua vez agora. Não tentemos entender nada. E é assim que eu e a Michele, já desperta, ficamos. Apenas olhamos para o rosto do Mineiro e vimos aquela alegria estampada.


Ficamos contente por ele e por nós também. Afinal estávamos compartilhando aquele momento, que é único, como todos na vida.
Depois da parada e do rompimento da suposta divisa entre dois estados, nós nos encontramos novamente dentro da cabine da F-1000. Dessa vez troco de lado com a Michele, vou perto da janela enquanto ela vai no meio. A chuva começa a ficar um pouco mais forte, até então tínhamos pego só uma neblina um pouco forte, tanto para deixar o capô do carro molhado; mas agora estava chovendo. Na estrada, Fernão Dias - uma homenagem ao grande matador que desbravando as estradas chega até Minas em busca de ouro, custe o que custar, isso incluindo muitas vidas de Índios – vou reparando numas árvores que ficam do nosso lado esquerdo, engraçado que essas árvores tem o formato de uma galinha. Não sei que tipo de árvores são.


Léo fala que quando a gente quiser parar para fotografar alguma coisa e só falar. Mas a gente não queria, pelo menos nesse momento; mas de vez em quando fazemos algumas fotos de nós dentro da cabine. Continuo minha conversa com Leonardo. Nossos assuntos não se encerram, apesar de termos nos visto apenas duas vezes, como já disse, uma foi no teatro e a outra no sarau, parecia que nós nos conhecíamos há um bom tempo, tanto que nosso silêncio, raro, não pesava tanto, já era um silêncio daqueles que só os amigos praticam sem entrarem em neuras.


Patrick passa por nós, aproveito e faço uma foto dele dirigindo. – essa vai ficar boa, diz Léo, Patrick do outro lado ri. É, vai mesmo. –
Encosta mais um pouco Patrick, grita Léo. Vamos fazer outra foto, dessa vez é a Michele que clica. Patrick arranca.
Paramos num outro posto. Viajar não é tão fácil assim. Estradas ruins, atenção a todo instante. Vamos ao banheiro. Lavo o rosto. Depois peço café. Léo avista seus doces numa gôndola. Ele começa a discernir sobre os doces, como se estivesse nos vendendo. Rimos da cara dele. – Porra Léo, não precisa vender pra nós não cara. Rimos da situação. Nesse momento deveria ser umas 9 horas.


Voltamos para a estrada. Pelos nossos cálculos, ou no cálculo do Léo, chegaremos em BH perto das 13 horas. Passamos perto de algumas cidades. Não lembro o nome de quase nenhuma. Léo nos fala que em suas entregas de doces viaja por muitas cidades de São Paulo e Minas. Nos convida para irmos com ele nessas entregas. Seria interessante mesmo sair de role por aí, fotografando o que visse, olhando tudo etc.


O bom desse trabalho do Léo e do Patrick, penso eu, é isso, não ter fronteiras, é desgastante dirigir direto. Mas por outro lado você não está preso num só lugar, está sempre em movimento, conhecendo lugares e pessoas, observando atitudes diferenciadas. Isso compensa o cansaço com certeza.


Conhecer esses mineiros foi algo sensacional para mim e para Michele. Nossa intenção de mudar de cidade hoje é concreta e esse desejo faz com que a gente sinta uma certa ansiedade para que se concretize logo. Isso, penso, é normal, a vontade é algo que sentimos, então temos pensamentos sobre essa vontade e isso causa certa ansiedade. Nesse decorrer entre o desejo e a realização desse várias coisa vão rolando, para alguns é uma força mais forte, mas para mim é apenas transição normal, algumas coincidências, como no nosso caso de querer mudar de cidade e conhecer pessoas dessa cidade sem estar precisamente nesse território. Pois bem, sentimos vontades, tentamos transformar essa vontade para que isso nos satisfaça; óbvio que algumas frustrações vão acontecer, depende de qual será nossa expectativa e como isso se configurará e como traçaremos nosso planos para que o pensamento se transforme em ação.


Continuávamos nossa corrida pela estrada esburacada. Já eram umas 11 e pouco e o tempo ia abrindo. Fumamos um baseado para clarear as idéias e relaxar um pouco. Léo não fumou; estava muito agitado. Mas depois ficaríamos sabendo que essa agitação tinha outros motivos. Tudo bem, ele não quis falar naquele momento, isso é normal. Cada pessoa tem um caminho, ou tempo próprio e aceitar isso, assim como a confiança em outra pessoa desconhecida, que aos poucos vamos conhecendo, não se dá num instante. Às vezes demora um pouco. Léo, eu e a Michele, estávamos curtindo aquela viajem e isso foi mais importante para nós. Conversamos muito sobre tudo; nos conhecemos mais, reforçamos nossa amizade.


Tínhamos previsto, segundo cálculos do Léo chegar em BH umas 2 da tarde. Mas um pouco antes já estamos rodando sobre as pistas de Betim, onde a Fiat mantém sua montadora. Essa região já é a grande Belo Horizonte, estavámos perto. Há sempre aquela sensação de chegar em um local novo e dar de cara com pessoas estranhas a nós, gente que nunca vimos. Estava me sentido assim, como seria na casa do Léo? Como eles iam receber a gente?


Finalmente entramos em Belo Horizonte, depois de mais de 7 horas rodando. Estavámos cansando, mas felizes. A viagem tinha sido boa. Nos conhecemos melhor. Pudemos conversar muito.
Paramos num acostamento, pois tínhamos que pegar nossas coisas na perua. Também era hora de nos despedimos, pois o Patrick mora em outro bairro e o caminho era diferente. Apanhamos nossas mochilas, combinamos de nos ver mais a noite, e prosseguimos até a casa dos pais do Leonardo. Dali em diante as coisas se deram de maneira tão boa e tão agradável que até hoje continuamos a nos comunicar com a família do Léo.


De resto a amizade sela tudo.

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