Um ato falho

Um ato falho.
Foi isso que me disseram naquela repartição. Eu, porém, não acreditei muito naquilo. Apenas olhei bem nos olhos daquela pessoa. Sem menção alguma de concordância ou discordância retirei-me.
Fui em outra área, talvez ali alguém pudesse contribuir um pouco mais com a minha necessidade.
Uma gigantesca placa com dizeres estranhos simplesmente caiu sobre a cabeça de uma mulher, esmagando-a ali mesmo sem pormenores. Um susto e uma correria danada. Alguém grita que a vida é uma paródia. Outra mulher surge com um pano tentando conter o rio de sangue que se formou no corredor. Outra pessoa ali, talvez um funcionário, reage a essa ação, empurrando a mulher.
Não consigo ficar atento à cena. Outras se dão num rápido estalo de tempo. Tudo se faz ali mesmo, como clipes. Dali a pouco o corpo da mulher é retirado, a placa sumiu assim como apareceu. O sangue no chão é limpo. Tudo volta ao normal.
Volto para uma atendente, sei que é uma pois ela está com um crachá, pergunto se ela pode resolver minha necessidade. Sim, ela responde. Ótimo. Digo-lhe então o que desejo. Ela me olha e sorri estranhamente; não me responde mais nada e retira-se. Fico ali olhando-a se esvair pelas mesas e cadeiras que formam a repartição.
Penso em ir ao banheiro. Pergunto ao senhor que está, imóvel, sentando numa cadeira. Ele me indica o local apenas levantando umas das sobrancelhas. Sua fisionomia é algo assustador. Ainda fico ali reparando suas olheiras, bem acentuadas. Me pareceu que aquele senhor estava morto mas, pelo seu gesto de sobrancelhas, ainda lhe restava algum ritmo existencial.
Havia uma fila para entrar no banheiro. Um homem parado na entrada controlava o acesso das pessoas ao local. Uma senha era distribuída de acordo com a necessidade.
Fiquei ali por um período longo. Haviam várias pessoas que chegaram à fila sem nenhuma necessidade, mas com o decorrer do tempo que ali passavam elas iam adquirindo a necessidade. Outras pensavam ter uma necessidade, mas depois percebiam que a necessidade era outra, mas como tinham pego a senha para a primeira, tinham que trocar com outras pessoas e assim sucessivamente.
Atravesso a porta estreita e alongada, uma imensidão logo surge, luzes claras alaranjadas e esverdeadas; pensei estar em outra extremidade mas descobri outras salas que se ligavam através de portas. De vez em quando as luzes escorriam pelas frestas e atravessavam a porta criando um perfil bonito nas paredes, fiquei um tempo ali, admirando e admirado com aquela dança.
A sala onde estou agora tem um tom de cinza nas paredes, está vazia, parece que, repentinamente, todos evaporaram. Não me mexo, olho em volta, nada. As paredes da sala começam a mudar de cor, de cinza passam para tonalidades fumes e depois coloridas, mas tudo muito degrade.
Ainda tento sair, mas é aí que vejo a entrada por onde, tempo antes, eu tinha passado. É a mesma repartição...

Um comentário:

Simone disse...

ai que angústia!

mijar

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