olhando a paisagem

Naquele dia fiquei debruçado diante da janela, olhando a paisagem da rua e chorando; até, certo ponto, também, enrijecido pela degradação das convivências amorosas que falam ao nosso instinto mais primordial.
Feliz? Sim, feliz! Contraditório, como sempre fui.
Pego uma mochila bege que há muito tempo estava ali, encafuada, dentro do que sobrou do guarda-roupas. Um cheiro de mofo sobe e toma o ar por completo. Espirro algumas vezes.
Tento rever alguns itens que, até então, me eram claros na cabeça, como: caminho a se seguir, condição do tempo, telefonar para alguém etc. mas a impermanência da mente é avassaladora; tarde demais.
Há saudades que se desfazem tão rápido, há sentidos que não buscamos. Sou quem sempre chorou. Desde sempre.
...olhando, agora, para as coisas empilhadas num canto a casa me parece maior. Meus filhos dirão que enlouqueci. Somente eles poderão me dizer isso. Viver é atuar. Minha velha vida se esfarelando diante dos meus sentidos.
Choro.
Quando se é assim não há muito o que lamentar. Uma carta, se podemos denominar, é um atestado da palavra; deixar um lembrete, uma lembrança.
A carne sendo trucidada com lacunas extensas. São dores, cortes que ficam ali te incomodando.
“Vai fazer algo?...”
Sorrio.
Velhas fotografias jogadas ao léu. Imagens das nossas alegrias. Quem, olhando para estas fotografias, poderá dizer que não fomos felizes um dia?
Mas assim eu estou tranqüilo. Minhas roupas cabem em qualquer lugar; farrapos, como ela diria.
Sorrio. Estou feliz por um desvencilhamento qualquer, uma ruptura qualquer.
Olhando para a casa sinto a temerária nostalgia, mas gosto. É quase um alívio e uma sensação de estranheza percorre o corpo.
Novamente o telefone. Meus filhos disseram algo sobre ligar. Acho que eles me ligariam.
A velha mochila ainda é útil; depois de tanto tempo sem uso. Sinto que percorrerei caminhos novos; trilhas opostas ao meu rumo tradicional. Sinto que viajarei solidificado pela sorte. Distinto e sóbrio...ainda me mantenho sóbrio.
Olho a casa. Quartos vazios; até um tempo atrás brincávamos por aqui. As paredes mostram que éramos felizes. As plantas que cultivávamos...tudo se perde. Vida útil...
...deixar a carcaça para trás e seguir...num canto os livros, as fotos...tento refazer algumas lembranças.
Algumas roupas, alguns livros. Não preciso de mais nada. Ninguém precisa. Temos tantas coisas sem necessidade de as ter. Tomamos as coisas como nossas e acreditamos que assim estamos felizes, acreditamos que estamos vivendo. Não sabemos admitir, para nós mesmos, que nada nos pertence.
Na mochila bege cabe meu pequeno mundo, que a partir de agora será transitável. Mutável. Minhas pernas me levarão para outros mundos. Mas este, que deixo para trás, me acompanhará de alguma forma.

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