Outras coisas - Michele Fernades

Durmo no mais novo reduto do meu bom sono.
Demoro um pouco para me acostumar com aquele ambiente, que por mais acolhedor que possa parecer me intriga e desperta a atenção.
Escuto o som de helicóptero, será que no centro é comum passar helicópteros observando qualquer coisa que seja?!?!?!? Logo percebo que se tratam das máquinas do trem de carga.
Não demora muito e o som pára, em três tons finais diferentes.

Espero mais algum ruído vindo da rua e que eu possa identificar, no entanto, para minha surpresa, ouço um ruído interno. Uma barata entre os sacos de roupas e tranqueiras que trouxemos da outra casa. Quero identificar de que saco ela veio, mas a penumbra do quarto não me permite observar sequer uma sacola. Sei que vem da minha direita.
Não me abalo o suficiente para poder levantar, acender a luz e tentar matá-la, mesmo porque tenho medo deste inseto asqueroso. Em questão de minutos me sinto submersa no universo de Clarisse Lispector, a barata toma uma dimensão muito maior que a real, quase chega a me assustar.
Fico zonza nessa alucinação.
Viajo em suas formas, o domínio da sobrevivência, de estar trancafiada num saco, se adaptando ao que comer, e mesmo assim, resistindo suficientemente bem para poder cavocar o máximo que pode algum tipo de liberdade daquela escuridão de sacos de lixo preto.
Mal penso em sua gosma e como gosta de comer minhas anotações, meus livros, meus cadernos, meus diários.
Descuido um período, o sono toma conta de mim.
Tento lutar bravamente com ele enquanto tenho minhas alucinações e quando percebo: ela está em meu ambiente, se diluindo com imagens atropeladas. Adentro um túnel, espécie de Alice no País das Maravilhas, percebo que estou numa festa muito divertida e com música variada. Encontro pessoas que não via há tempos, rio muito, troco de lugar sem ter que me mexer.
Ganho asas invisíveis. Vejo cores formidáveis, com formas alucinantes, instigando minha curiosidade entro num corredor vermelho, que inicia escuro e termina num vermelho sangue lindo, de repente um clarão inesperado! Acordo!
Também como num passe de mágicas a noite passa como um único instante.
Olho para os quatro cantos do quarto, todos os sacos são iguais e como se a barata nunca tivesse existido, levanto para mais um dia....

Um comentário:

Simone disse...

aff michele, eu tenho pânico incontrolável e paralisante dessa criatura cujo nome não consigo nem pronunciar. Falando em Clarice Lispector, você já foram à exposição? posso ir com vocês?

mijar

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