CONTO - jonilson montalvão

Corre!

Foi a única coisa que eu ouvi no meio daquele barulho todo.

Corremos. Parecíamos velocistas de 100 metros rasos.

Na verdade eu não sabia o porque exatamente estavámos correndo daquele jeito; mas já desconfiava.

Mi.
Ela com suas manias de apavoramento surreal e acelerado. Efeitos assim eram constantes em nossas aventuras por estradas afora.

Conto melhor:

Naquele dia tínhamos ido ao cinema. Nos encontrávamos fora de circulação há alguns dias.

Nota: quando digo fora de circulação, quero dizer fora de órbita. Fora de tudo. Muitas drogas na cabeça e no corpo como um todo.

Estavámos em circulação prolongada e demasiadamente abstrata.
De verdade, o cinema só foi um motivo para pararmos e sentarmos um pouco. Não lembro nada do filme, talvez nem ela. As drogas são assim, te fazem certo bem, certo mal também, mas isso é outra conversa.

Pois bem, estavámos ali, num território alheio aos nossos sentidos.

Alheio mesmo. Sequer pudéssemos respirar entre passos...

Você viu?

Viu o quê? Perguntei, como uma língua de dois metros para fora da boca.

O cara que estava correndo atrás de nós...

Não vi nada. Apenas ouvi você dizer corre e corri.

Poxa, tinha um cara atrás de nós. Ou era viagem minha?

Ela fala isso e seus olhinhos amendoados revelavam uma pupila saltitante e desenfreada.

Mi, falei trazendo ela de volta, acho que você deu uma daquelas viagens aterrorizante e voluntariosas agora hein...

Caímos no riso.

Peguei sua mão e voltamos ao nosso carro, que estava parado num estacionamento perto do cinema.
Deixamos lá por motivos óbvios...

Dentro desse período que andamos vi as cenas da cidade: coisas, tipos físicos, emblemas de um local qualquer.

Procurar sentido nisso é a mesma coisa que ver além do nítido desejo de ver.

São teorias absurdas que divago.

Pode ser efeito de substâncias, ou também não pode ser nada, apenas a mente.

De volta ao hotel tomamos um banho e resfriamos nossos corpos.

Fazia uns dois dias que estavámos fora do eixo, ou de órbita. A dona do hotel nos olhou, não disse nada, apenas um olhar fixo, seu rosto pálido sem sorriso não revela nada. Mas dava para perceber que ela não aprovava nossa atitude.

Depois do banho e do refresco adquirido com este, tentamos deitar, mas nossos corpos ainda estavam sob efeitos dos narcóticos e a atmosfera era ideal para um sexo.
Depois do ato relaxamos um pouco. Conseguimos adormecer por um curto tempo até que a campanhia tocava alucinadamente e nosso relaxamento foi interrompido.
Quer atender?, perguntei, jogando essa responsa pra cima dela.
Vai você amorzão...disse num ímpeto de sensualidade e delicadeza que seria impossível eu não me levantar.
Levantei e fui até a porta, mas não abri imediatamente, antes perguntei quem era, como se isso fosse realmente preciso.
Uma voz veio do outro lado: Dona Madalena.
Dona Madalena era a dona do hotel.
Abri a porta.
Dona Madalena ficou pálida, mas não tirava os olhos.
Foi então, depois de alguns segundos, que me dei conta que estava pelado.
Mas isso não me alterou em nada. Ainda com a porta aberta, dei meia volta em direção ao banheiro e me enrolei numa toalha.
Mi continuava deitada na cama. Nada a abalava.
Voltei e encontrei Dona Madalena com a mesma cara, parada no mesmo lugar.
Boa tarde Dona Madalena. Algum problema? Perguntei num tom amistoso, quase soletrando as sílabas.
Vocês ficaram dois dias fora e nem avisaram. Ela realmente estava séria; talvez preocupada.
Olha Dona Madalena, falei com gentileza, peço desculpas, mas não conseguimos.
Mi se levanta, nua, da cama e vai para o banheiro.
Vocês são um casal estranho.
Mas vamos pagar a senhora, pode ficar sossegada, era Mi gritando do banheiro.
Dona Madalena sai do quarto sem falar mais nada.
Fechei a porta e voltei pro banheiro.
Saímos do quarto de noitinha já chapados de tudo.
Percorremos as ruelas da cidade sem direção. Na verdade estavámos em busca de algum som.
Depois de algumas passadas, nossos ouvidos detectaram uma música, era um rock, The Crash,, não muito bem tocado mas mesmo assim assimilável pelos ouvidos sem maiores dores.
Falei pra Mi que se ela quisesse podíamos ficar ali. Concordamos.
Era um bar grande, com algumas mesas de snooker no centro, mais na frente um pequeno palco onde se espremia os 3 componentes da banda que tocam agora uma música do Who, My Generation...achei essa melhor que a anterior. Algumas mesas com cadeiras espalhadas e uma pista de dança improvisada faziam do bar um aconchego regular.
Mi sentou numa cadeira e eu fui até o bar pedir cervejas.
Minha mente estava em todos os lugares; algumas pessoas pareciam que iam trombar a qualquer instante contra meu corpo. Mas consegui chegar até a mesa intacto e com as cervejas na mão.
Só lata?
Só.
Tomamos de um gole só.
Acho que eles têm medo de brigas, falei pertinho do seu ouvido já que agora a banda tocava muito mais alto.
É. Pode ser mesmo.
Bebemos as cervejas e pedimos mais e depois mais e mais.
A banda cover saiu e entrou mais dois caras, guitarra e gaita, anunciando que o blues ia contaminar nós todos.
Meu corpo não obedecia mais meus comandos.
Gritei pra Mi: meu corpo tomou vida própria!
Ela riu muito e não disse nada.
Vamos dançar?
Opa!
Levantamos e fomos já requebrando até a pista.
Dançamos a noite toda, a banda realmente nos contagiou.
Deixamos o bar desnorteados. Caminhamos em direção a uma praça e eu me joguei no chão, meu estômago queria sair pra fora do corpo pela boca.
Você tá bem? Mi me perguntou com aquele carinho que só ela tem e que nesses momentos é tão precioso que nos faz querer chorar de emoção e agradecemos a vida pelo ato de prazer e dor que ela nos proporciona e tudo é nada e que a vida simplesmente vale um gozo.
Levantei e disse pra ela que seria bom um refrigerante bem doce.
Mas nessa hora, será que tem bar aberto?
Sentamos no banco e ficamos ali, chapados, olhando as estrelas que já estavam desaparecendo com o alvorecer.
Mi, te amo muito.
Ela sorriu com aquela boca carmim e deitou no meu colo.
Quando o sol apareceu enaltecendo a beleza natural da cidade nos encontrou deitados na praça. Algumas pessoas passavam e afixavam seus olhos em nós.
Acordei Mi e lhe propus tomar café numa padaria qualquer.
Nos limpamos, na medida do possível, e fomos em busca do nosso santo graal: um café quente.
A padaria ficava num ponto muito bonito da cidade, de lá avistávamos todo a montanha que circundava o local. Sentamos e pedimos nossos cafés.
A volta pro hotel dessa vez foi mais suave. Dona Madalena estava menos amarga, até nos deu um bom dia.
No quarto fumamos um baseado para manter a cabeça limpa das impurezas e fizemos nossas mochilas. A estrada nos chamava.

2 comentários:

Simone disse...

nunca experimentei drogas, nem queros mas o jeito de você "falar" sempre me fazendo rir! muito bom!!!

YALODE disse...

hahahaha, totalmente junkies, e estradeiros!!!! nada mais foge a realidade!
apenas curtindo ou melhor alongando o q tem de bom!!!!!
Pé na estrada companheiro!!! O mais breve possível!!!!

mijar

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