Tropa de Elite é uma armadilha... - Cacá Mendes

Cacá Mendes
Produtor cultural, escritor e audiovisualista
c_mendes2001@yahoo.com.br

Tropa de Elite é uma armadilha, tanto para o público como para o seu diretor, José Padilha, e penso que ele só se deu conta disso, obviamente, depois de montado o filme. Claro, previu isso, sim. Argumento e roteiro são justamente o que norteará as imagens e construirá o universo proposto. A mídia, provocada pelo lançamento do filme, suscitou uma polêmica e, conseqüentemente, um debate poucas vezes visto na história desse país (parafraseando o nosso presidente) em torno de uma película. Arriscaria dizer, o filme detém qualidades de outros grandes filmes brasileiros, todavia o seu sucesso não se faria se não tratasse de tema tão atual e (des)necessário como é a violência urbana. Na verdade, a grande estrela do filme é a violência, mas não seria se não tivesse sido colocada lá com competência. Cujo mérito, tanto da parte da atuação dos atores e da equipe – e digo equipe, desde a mais humilde função dos bastidores à performance assustadora de Wagner Moura (já testado e aprovado em filmes como 'Cidade Baixa', de Sérgio Machado – Brasil/2005), na pele do capitão/narrador.

A agilidade do filme, o ritmo alucinante dos pipocos de balas e luzes de armas de fogo, combinados com uma montagem que mixa multiplicidade de informações visuais, tão rápidas e assustadoras como um pesadelo, atrelados a uma narração mórbida, do ponto de vista de quem tortura e mata em nome da ordem... um universo vai-se construindo e a narrativa (aqui não tem como!) imagética diz uma coisa, e a narrativa textual diz outra: as imagens, mesmo aceleradas, denunciam o impetuoso Capitão Nascimento (porque dele se nasce! Literalmente, os novos componentes da Tropa, o filho por vir e, claro, grande parte da violência daquele universo), e o seu texto falado o denota como quase um pacato policial preocupado com o combate ao crime, o nascimento do filho e a contradição do amigo e pupilo Matias, que o irá substituir nos próximos dias. Ou seja, a empatia pelo que se denota de bom nessa fala e o horror evidente vão duelando na cabeça do público... E ele, espectador, se pergunta: sou mocinho ou sou bandido, de que lado eu fico? Tem lado? Flagrante decepção: não tem lado à vista, o filme. Já pode ser um alívio; a obra posta não optou por nenhum, por ninguém, apenas mostrou ou, como quiser, denunciou, abriu uma janela e disse, olhe e veja o horror.

Ledo engano os ivos, as marias, os josés etc... De um lado, para algum lado esse autor (chamemos assim o diretor) puxou o peixe, ou tentou. Não há neutralidade. E isso que fica difícil, às vezes, de detectar. Creio que ele está do lado dos justos, mas o difícil é controlar "justos" na tela que se estende aos olhos da turba sedenta... E aí, a armadilha parece pegar a todos nós, como essa realidade (im)posta em nosso país. Seremos devorados por ela? Apressadamente, ou demoradamente, eu não vejo maldade nenhuma no diretor (pelo contrário), mas esperar que o ponto de vista dessa polícia, mesmo ali resumida, numa tela, a quem é incumbido de nos contar os seus próprios horrores, não seria simpático ao espectador é acreditar quase nada ou nada mesmo no poder da estrutura narrativa cinematográfica, inclusive com direito à catarse ( do Grego Kátharsis - purificação, purgação e evacuação) no final, com um tiro na cara da platéia... a que morre no lugar do bandido, a omissa, a também consumidora de droga, a que dá trabalho, literalmente, aos policiais. A CULPADA.

O não-herói que deu um perdido no seu criador! Inclusive, abonando um dos seus pupilos a dar luz (leia-se óculos) ao garoto da comunidade que tinha problemas com as vistas. Daí, morreu o cara desse combate, tentando que o garoto pudesse enxergar outro caminho... É pirar demais? Está lá, as imagens mostram isso. São símbolos, e não foram inventados por mim, nem tampouco agora.

Em tempo e resumindo e não entrando em outros detalhes, para que isso seja lido até o fim por quem por aqui se adentrar, tive notícias e tenho de que as crianças que viram a cópia pirata estão adorando o filme.... O meu filho de 13 anos está doido para assisti-lo. Para refletir: será que eles vão entender e debater como nós, os adultos? Terão essa oportunidade? O meu eu cuido... Vamos duvidar, a dúvida ainda é um remédio.

Afinal, o filme é bandido ou mocinho? Bandido ou mocinho, ele é nosso, brasileiro, e temos que assumir, seja lá a que preço.

2 comentários:

Risomar Fasanaro disse...

Cacá, nao vi o filme mas sua critica é tão bem escrita, que fiquei doida pra assistir.Parabéns.

Cacá Mendes disse...


Sério que não viu?! Veja! Eu precisaria revê-lo, e quem sabe até para atualizar esse texto, se é que precisa...

mijar

fanzine irracional e emocional