Quando estava saindo de uma danceteria, de manhã já, esbarrei numa poltrona que pelo lugar que ocupava naquele espaço só poderia estar ali por obra de algum artista plástico viado. Assim que tento me manter em pé, após a trombada, sinto uma mão me segurando na altura do cotovelo. Quando volto à minha posição de conforto é que vejo a continuação daquela mão; percorro toda a extensão do braço até pescoço, depois subo até o rosto e contemplo aquela beldade. Naquele momento minha visão petrificou-se, ali, no rosto. Ela disse oi e sorriu covardemente. Infarto qualquer seria chocolatada: como a cor dela. Oi, também disse, depois de um ano e pouco...sorri, já pairando. Quase você vai parar ali ó. Agora ela já estava sentada no sofá com as pernas cruzadas. Quase mesmo, se não fosse por você. Senta aqui, tava indo embora? Sim...não...digo...não...tava...mas...Tudo bem então, senta aqui e ficaremos mais um pouquinho só, pode ser? Pode ...lógico que pode.
Sentei-me ao seu lado e já com os olhos voltados para as suas pernas. Acho que ela percebeu pois no mesmo instante comentou: acho que são muito magras. Magras??!! É, magras...Para mim estão ótimas. Homens...Nesse momento ela fez um biquinho que atravessou meu coração e continuou a explanação, que depois virou um pedido: será que você me dá uma carona até um mercado mais próximo? E seu eu não tiver carro? Vamos de táxi então. Táxi?? Você faria isso por mim né? Nesse momento seu rostinho se transformou numa coisa tão meiga que gostaria de perguntar para vocês (homens): como eu poderia dizer não a uma criatura tão dócil?
Entramos no meu carro ao som de Niños com Bomba. Que som legal, quem é? Niños com Bomba. Ela ri muito. Criança com Bombas?!, que horror. Pois é, talvez por isso eles tenham escolhido esse nome.
Entramos num desses supermercados hiperqualquer que nunca fecham. Ela me fez andar com o carrinho pra cima e pra baixo. Começamos pelo lado dos frios, passamos pelas frutas e terminamos nos enlatados. Até pensei que eu fosse pagar, aliás, até já tinha me preparado psicologicamente para isso, mas ela tinha um bom coração. Ah, já ia me esquecendo, foi na ida pro caixa que dei uma olhada pra’quela bunda: ela merecia uma compra.
Não paguei, mas carreguei as compras; temos que ser bons cavalheiros não é mesmo? Me ensinou o caminho da sua casa. Em pouco tempo estavámos lá...e eu morrendo de sono. Tudo bem, pensei comigo, amanhã acordo tinindo. Deitamos na sua cama mesmo, que na verdade era um colchão estirado no chão. Acordei algumas horas depois com o som da tv. Ela ao meu lado com um sorriso incrivelmente devastador só apontou com o dedinho a tv. Ah?, perguntei. Olha ali a tv. Olhei a tv e, confesso, fiquei um pouquinho desnorteado. Ela estava ali, na tv, se sacudindo toda sobre um cara. Nossa!, é você mesma? Humhum...E esse cara quem é? Meu marido seu bobo. Sério? Lógico que não né, é um filme não tá vendo? Você é atriz...? Sou sim. Ah...que bom né? Eu gosto, dá uma grana e a gente se diverte. Tô vendo. Não tá com preconceito não né? Eu, magina, até gosto, é a primeira vez que conheço uma atriz pornô, experiências novas.
Bom, aqui ela já estava em cima de mim. Não preciso contar maiores detalhes; só uma coisinha: a tv ficou ligada.
Depois do ato, ela me preparou um café que tomamos na cama, digo, no colchão assistindo seus filmes. Ela era uma boa atriz, se saía bem nos papeis, digamos, dramáticos. Tinha um certo carisma e fotografava muito bem. Comecei a fazer esses filmes com 18, estou há 2 anos; na verdade meu sonho era ser modelo, mas você sabe como é né...?, aparece algum cara e te chama pra fotografar, logo o cara fala que você é bonita, tem um bom corpo, coisa e tal, aí a gente acaba, por grana, indo nessas. Ela me dizia isso como se tivesse se justificando de algum crime. Olha, falei num tom mais sério, a vida é sua, você tem pleno domínio e controle sobre ela, então você é livre para qualquer coisa. Ela me olhou um pouco mais pensativa e comentou: sabe que você tem toda razão, eu até tinha um certo preconceito, ou algo parecido, inclusive alguns caras com que mantive casos, eles não sabiam. Não? Não. Mas alguém descobriu? Não, nunca; mas também eu nunca mantive um relacionamento muito sério, você sabe né, vai que o cara ficasse sabendo...É, tem essa também. Você...eu quando te vi, sei lá...achei que você fosse um cara mais cabeça aberta, por isso resolvi te mostrar. Brigado pela confiança. E o que você achou dos filmes?, quando eu fiz eu não queria fazer algo muito, tipo assim, anormal, sabe?, ainda eu disse pro cara, o produtor: olha, eu posso até fazer esses filmes, mas não dou o cuzinho não, e também não transo com animais, nem mais de um cara e nem com mulher, temos que ter nossos limites, você não acha?
Eu até tentei argumentar alguma coisa, mas ela não parava de falar. Então, aí o cara, o produtor, me disse que eu até poderia ganhar mais com outras cenas, você sabe o que são outras cenas né?, são os chamados extras, olha, eu disse pra ele que não, se fosse pra fazer seria o básico; sabe o que ele me disse? Não, não sei. Ele falou assim: meu amor, o básico os casais já fazem em casa, um cara quando aluga um filme desses ele quer ver algo diferente, uma buceta bem gostosa, uma trepada alucinante, algo extraordinário mesmo. Eu ali tomando um café e ouvindo tudo isso, nem sequer mencionei abrir a boca. Ela continuava: aí eu falei pra ele, mas seu produtor, minha família é bem simples sabe, são pessoas honestas e trabalhadoras; imagina você se meu pai fica sabendo dum troço desses, imagina você o que ele diria; e minha mãe então, coitada. Ela então se levantou e foi até a cozinha e trouxe mais café e um pedaço de bolo. O filme continuava. Agora ela estava deitada de lado, com uma das pernas suspensa e sendo segurada pela mão do cara; ela gemia tanto e fazia um biquinho daqueles que há um tempo atrás tinha atravessado meu coração. Essa cena é muito boa, falei pra ela. Você gosta?, podemos fazer se quiser. Quero sim, depois tá? Tá bom, então deixa eu terminar o que eu estava dizendo: o cara, o produtor, aí ele veio com uma conversinha de que eu poderia ganhar muito mais e essas coisas, você imagina que ele queria fazer um teste ali mesmo, só eu e ele; ele disse que era pra ter certeza que eu me daria bem no papel. E você, disse o quê? Ah, eu topei né, ali poderia estar a minha chance de construir uma carreira; falei pra ele onde ele queria, aí ele me indicou uma sala, entrei e fui tirando a roupa, ele também fez a mesma coisa e já me agarrou e me penetrou sem delongas. Delongas?! É, delongas, sem perder tempo, ouvi essa frase num programa de rádio, então, ele já veio com tudo e eu ainda seca; eu falei, poxa, você não perde tempo mesmo hein; ele disse lógico neném, com uma bucetinha dessas a gente não pode pensar muito não. E depois, o que você fez? Depois?, ah, assinei o contrato né? E sua família, o que ela acha de tudo isso? Meus pais não gostaram muito, mas depois que eu comecei a mandar dinheiro pra eles, aí ficou tudo bem. Lá, onde a gente mora, onde meus pais moram eu sou o maior orgulho da cidade, já fui recebida com honras e até ganhei a chave da cidade entregue pelo próprio prefeito que depois ainda me convidou para uma festinha no casarão dele. E você foi? Lógico que sim, se acha que eu ia perder uma chance dessas, puta de uma casa com piscina, umas 3 que eu vi né, mas um monte de coisas, uma festona, só vendo.
Depois que terminamos o café, ela me mostrou àquela cena, a de lado, ela até fez um biquinho igual. Elogiei sua performance. Ela era muito boa mesmo. Uma atriz e tanto. Ficamos um tempo juntos, sei lá, uns meses. Eu ia até seu apartamento e víamos alguns filmes juntos e depois fazíamos sexo observando as posições que ela fazia no filme. Eram posições não muito difíceis, pois ela era um pouco ortodoxa, uma coisa que não combinava muito com sua profissão.
Tudo ia muito bem, saíamos juntos, víamos filmes, pornôs também, outras produções, ela me dizia; até numa gravação ela me levou. Fiquei conhecendo a fundo o set de uma gravação de um filme pornô, que poderia ser tudo: desde um apartamento, quarto de motel, piscina, banheira... Tudo muito profissional que nem cheguei a ficar com ciúmes dela.
Num certo dia ela havia brigado com o produtor, estava muito chateada por causa disso. Aqueles velhos motivos: o cara queria que ela fizesse as tais cenas extras. Conversamos bastante nesse dia. Para ela essas eram coisas improváveis. Quase religioso. Estava determinada até a deixar a vida de atriz pornô em busca de outras profissões. Me pediu conselho. Disse para ela que isso era normal, às vezes a gente se cansa, por enes motivos, de alguma coisa, e procuramos por outras; alguns filósofos chamam isso de Devir, essa mudança que o ser passa, o Devir é a própria mudança. Às vezes até nos cansamos de tudo e de todos e aí nos escondemos do mundo. Tudo muito normal e simples. Ela realmente estava triste, até seu lindo rosto tinha alterado. Nessa noite não fui pro seu apartamento, ela queria ficar sozinha, pensar na vida. Disse que estava tudo bem, nada melhor do que estar só para colocar algumas coisas em ordem. Nos despedimos.
Passados alguns dias sem nenhuma ligação dela, até então nos falávamos sempre, todos os dias, mas já estava quase uma semana sem vê-la, resolvi ir até seu apartamento. Na entrada do prédio, o porteiro que já me conhecia me entregou um envelope. Foi a dona que é atriz que pediu para entregar para o senhor, ela mudou daqui já tem uns dias. Fiquei pasmo e não compreendi muita coisa. Mas como assim?, mudou e não falou pra onde ia? Não senhor, apenas me pediu para entregar esse envelope pro senhor. Ainda sem saber o que fazer agradeci o porteiro e saí. Caminhei na direção de uma lanchonete, estava ansiosíssimo para saber o que havia ali dentro, mas me contive, sentei e pedi uma cerveja; aí abri o envelope, tinha uma carta, comecei a ler: meu amor, depois de tudo que se passou entre a gente, fico até envergonhada de me despedir assim. Resolvi seguir seus conselhos e partir para outra coisa que ainda não sei o que vai ser. Nesse momento estou indo em direção a algum lugar, desculpe mas não posso te falar. Quem sabe um dia eu te escreva de novo, mas pensando agora em nem sei seu endereço né?, desculpa. Um beijo grande. Kátia Kubomm. Ah, já ia me esquecendo, esse é o meu verdadeiro nome, então você pode até me achar, se quiser é lógico.
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2 comentários:
nossa! que história triste jonilson! tomara que ela tenha tido um destino feliz. Que ironia esse nome, hein!?
história triste e, talvez, real...talvez, falta uma dinamica maior...
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